Um dos ícones do rock brasileiro, Rita Lee morreu aos 75 anos na noite de segunda-feira (8) em sua casa, em São Paulo. Ela tinha sido diagnosticada com câncer de pulmão em 2021 e estava em tratamento contra a doença desde então. No ano passado, ela chegou a anunciar que o câncer estava em remissão.
O velório da artista será realizado no Planetário do Parque Ibirapuera, aberto ao público. A cerimônia terá início nesta quarta-feira (10), das 10h às 17h, conforme informou a família de Rita no perfil dela no Instagram.
A emblemática artista deixa um legado de mais de 50 anos dedicados à música, com obras-primas que vão perdurar através das gerações. Rita Lee é a quarta artista brasileira que mais vendeu discos no país e, além disso, ficou em 15º lugar na lista de cem maiores nomes da música brasileira promovida pela revista Rolling Stone.
Na vida pessoal, foi casada entre 1968 e 1972 com Arnaldo Baptista. Em 1976, casou-se com Roberto de Carvalho, que foi seu parceiro de palco e companheiro até o fim da vida. Com ele, teve os três filhos: Beto Lee, João e Antônio.
Nasce uma estrela
A trajetória da estrela começou em 31 de dezembro de 1947, quando Rita Lee Jones veio ao mundo, deixando a cidade de São Paulo menos cinza naquele dia. Filha de Charles Jones e Romilda Padula — ele, descendente de norte-americanos e, ela, de italianos —, Rita é a caçula de três irmãs — as outras duas são Mary e Virgínia e todas receberam o nome composto de Lee, que não é um sobrenome.
As filhas da família Jones foram criadas com uma mistura de disciplina, quando o pai estava em casa, e diversão, quando Charles ia pescar — a sala de jantar virava pista de dança e a mãe, pianista, espalhava a música pelo lar. Rita foi contaminada pela arte, arriscando-se a cantar e tocar algumas notas, mesmo sem ter um grande conhecimento musical.
Tudo mudou quando Charles, que era dentista, atendeu à pianista Magdalena Tagliaferro. Ele, sabendo da tendência da filha para o mundo da música, fez um acordo: ele faria o tratamento dentário de graça, caso a musicista desse aulas de piano para Rita em sua escola. Por lá, ela demonstrou grande talento — apesar de, em um determinado momento, durante uma apresentação, Rita ter feito xixi no palco, por nervosismo, e a professora a ter aconselhado a não seguir carreira artística.
Por sorte, a jovem Rita Lee não seguiu os conselhos e, mesmo com a intenção inicial de ser atriz de cinema ou veterinária, na adolescência, começou a compor suas primeiras canções. Quando tinha cerca de 15 anos, ela começou a se apresentar em clubes como componente do Tulio's Trio. Em 1963, formou um conjunto musical com mais duas amigas, as Teenage Singers. Juntas, elas faziam pequenos shows em festas colegiais.
No ano seguinte, elas conheceram o trio masculino Wooden Faces e, juntos, acabaram formando o Six Sided Rockers, banda que, pouco tempo depois, passou a se chamar Os Seis — o grupo, inclusive, chegou a gravar um disco compacto com duas músicas. Porém, com a saída de três componentes, sobraram Rita, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias. O trio se autodenominou Os Bruxos, mas, por sugestão de Ronnie Von, que os levou ao seu programa, adotou o nome de Os Mutantes.
Sucesso
Os Mutantes durou seis anos. No grupo, ela cantou, tocou flauta e percussão, além de entregar performances consideradas esquisitas, como quando manipulou um gravador portátil na música Caminhante Noturno e uma bomba de dedetização em Le Premier Bonheur du Jour. Rita ainda era letrista.
Em 1967, a banda acompanhou Gilberto Gil no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record para a apresentação da canção Domingo no Parque. Ao total, Rita Lee e os Mutantes gravaram seis álbuns — o primeiro, lançado em 1968, é considerado um dos mais importantes da história da música brasileira.
Da obra de Os Mutantes, surgiram hits atemporais como A Minha Menina, Dom Quixote, Balada do Louco, Dois Mil e Um e Ando Meio Desligado. Também na banda, ocorreu o primeiro casamento de Rita: entre 1968 e 1972, ela foi esposa do companheiro de grupo Arnaldo Baptista.
Nesse meio tempo, Rita gravou dois discos solo, mesmo acompanhada de membros de Os Mutantes. O primeiro disco foi Build Up (1970), com algumas composições em parceria com Arnaldo Baptista, e o segundo foi Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida (1972), lançado com o seu nome, pois Os Mutantes já tinha lançado disco naquele ano e a gravadora não os permitiu que gravassem outro.
Em decorrência do fim de seu casamento com Arnaldo e incompatibilidades artísticas com os rumos que a banda estava tomando, Rita foi expulsa de Os Mutantes pelo próprio Arnaldo. Em 1992, inclusive, Rita deu uma entrevista para Bruna Lombardi, na qual falou sobre a sua saída do grupo:
— Eu não voltaria aos Mutantes hoje em dia. Teve um final meio trágico, esquisito e injusto. A verdade é que éramos todos muito loucos. Tomávamos tudo, rolava de tudo. Muita gente pirava. Em um dado momento, precisamos confrontar isso com o Arnaldo Baptista. Ele ficou mal. Aconteceu um incidente em que ele pulou de uma janela e ficou vários meses em coma. Os Mutantes já tinham se dissolvido, mas tinha uma mágoa muito grande que não tinha sido resolvida.
Consagração
Ainda no começo da década de 1970, Rita se juntou com Lucinha Turnbull, considerada a primeira guitarrista feminina brasileira. Elas formaram o duo Cilibrinas do Éden. Com o projeto não dando muito certo, elas se juntaram com a banda Lisergia, que mais tarde virou o famoso grupo Tutti Frutti. Com a estreia do conjunto ocorrendo no porão de um teatro em São Paulo, Rita virou vocalista de destaque em uma banda pela primeira vez.
Porém, o envolvimento de Rita com as drogas afetou o começo da banda, que teve problemas com o contrato com a primeira gravadora e com o lançamento do álbum de estreia, que só saiu em 1974. Após assinarem com a Som Livre, em 1975, Rita e os Tutti Frutti lançaram o icônico disco Fruto Proibido, considerado um dos melhores da música brasileira de todos os tempos.
Do trabalho, saíram hits como Ovelha Negra, Agora Só Falta Você e Esse Tal de Roque Enrow. As músicas marcaram a geração e ganharam até clipe no Fantástico, projetando assim a imagem de Rita Lee para todo o Brasil, transformando a jovem na rainha do rock brasileiro.
Da parceria com Roberto de Carvalho, ficaram marcantes as baladas pop românticas Mania de Você, Doce Vampiro, Baila Comigo, Caso Sério, Flagra, Saúde, Nem Luxo Nem Lixo e Amor e Sexo — essa última tem a letra retirada de uma crônica homônima de Arnaldo Jabor.
Em agosto de 1976, durante sua primeira gravidez e já morando com Roberto, Rita foi presa por porte e uso de maconha. O episódio foi conduzido pela ditadura militar com a finalidade de "servir de exemplo à juventude da época". A cantora alegou que tinha deixado de usar drogas em razão da gravidez e que o que foi encontrado na ocasião seriam restos usados por amigos e frequentadores de sua casa. Mesmo assim, a artista foi condenada e ficou um ano em prisão domiciliar, precisando de permissões especiais do juiz para sair de casa e fazer shows.
Em 2006, ela alegou, ao Fantástico, que havia largado as bebidas e as drogas, após um período de reabilitação no "hospício", como ela chamou a clínica.
Aposentadoria e autobiografia
Rita também marcou presença na televisão. Em 1991, por exemplo, apresentou o programa TVLeezão, na MTV Brasil. Quatro anos depois, a sua música Vítima foi tema de abertura da novela A Próxima Vítima, da Globo. Ela também chegou a ser vista em novelas como Top Model (1989) e Celebridade (2005), além de ter trabalhado em uma dezena de filmes, como Durval Discos (2002).
Rita Lee ainda acumulou diversos prêmios ao longo de seus mais de 50 anos de carreira, incluindo dois Grammy Latino — melhor álbum de rock em língua portuguesa para 3001, em 2001, e o prêmio Excelência Musical da Academia Latina de Gravação, pelo conjunto de sua obra, em 2022.
Em janeiro de 2012, Rita Lee anunciou sua aposentadoria e se apresentou pela última vez em 28 de janeiro daquele ano em Sergipe — ela ainda viria a fazer alguns raros shows depois. Em 2016, a artista lançou sua autobiografia e um segundo livro desse gênero viria em 2018, chamado FavoRita.
Após o diagnóstico do câncer de pulmão, Rita acabou ficando mais reclusa, fazendo raras aparições — a maioria delas, postagens nas redes sociais do marido. Em uma das poucas vezes em que concedeu entrevista nos últimos anos, falou ao jornal O Globo sobre ter "tesão na alma", em setembro de 2021:
— Tudo muda o tempo todo. Aos 73 anos, por exemplo, tenho meus cabelos brancos. Já fui loira, já fui ruiva — que era um sol na cabeça — e agora tenho a lua comigo. Sinto também um vetor da vida que transforma o desejo. Já transei para caramba e, agora, tenho mais "tesão na alma". Um prazer que é despertado por um bom livro, meditação, quando tento me comunicar telepaticamente com irmãos das estrelas, com meus rituais espirituais... Então, mude! Já que não tem jeito mesmo, abrace a mudança.