— Nos anos 1990, eu vi um anúncio no jornal pedindo fotos para comerciais. Era o tempo da foto de papel. Aí, fui até a agência e mandei as fotos. Passou, sei lá, uns dois ou três meses, eu voltei lá e perguntei: "Mandei umas fotos, será que aprovaram?" A mulher olhou pra mim e disse: "Ah! Umas fotos cômicas, né?". Daí, eu olhei para ela e disse assim: "Olha, não eram cômicas..." — relembra Márnei Rocha, aos risos.
Foi neste momento que ele percebeu que, talvez, mesmo que se esforçasse, jamais deixaria de ser engraçado. Por isso, quando decidiu fazer música, a comicidade passou a ser parte tão fundamental quanto as notas que saíam dos instrumentos ou os versos que eram cantados por ele na Tarcísio Meira's Band, seu grupo mais famoso e que ganhou destaque nacional ao participar do reality show SuperStar, da Globo, em 2014.
A banda, que chamava atenção por ser, digamos, exótica, mesclava a extravagância de seus membros com canções divertidas e cheias de empolgação, como Cura Gay, Tio Me Dá Um Pão e Andando Pelado Eu e o Cavalo. Do grupo, Márnei foi fundador em 1993 e esteve à frente como líder até decidir sair, no final de 2019. Atualmente, o cantor de 49 anos decidiu que o seu objetivo é não ter compromisso musical com outras pessoas que não sejam o público.
Há algumas semanas, depois de passar pela pandemia sem se apresentar presencialmente, Márnei resolveu que era hora de voltar para a estrada — na verdade, não chega a ser bem estrada, mas, sim, para as ruas de Porto Alegre. E, por meio destas vias, chegar até os espaços públicos mais frequentados da Capital para soltar a voz. Só ele, uma caixa de som, seu microfone sem fio e o "penico do bem" — que, de fato, é um penico, onde ele pede para que os transeuntes que gostarem de sua música depositem uma contribuição espontânea.
O primeiro local escolhido por Márnei para voltar a se apresentar para o público foi a Redenção. Ali, ele fez a sua apresentação solo, inspirado em outro artista de rua da Capital, conhecido como Dorme Sujo, que havia visto tocando pela cidade algumas vezes.
— Pensei: "Bah, já que eu sou um cara meio engraçado, meio caricato, vou botar a minha roupa brega e vou para a rua". Aí, peguei uma caixinha de som, gravei as trilhas e estou fazendo, no momento, umas músicas bregas antigas. Decidi testar e fui para a Redenção. Foi muito legal a recepção do público. A galera pedindo mais e eu já não tinha mais nem repertório — comemora, destacando que, em sua setlist, tem clássicos que vão de Roberto Carlos a Amado Batista.
O segundo ponto de encontro de Márnei com o público seria na orla do Guaíba, no último domingo (4), mas uma dor de garganta impossibilitou que o artista pudesse cantar. O show deve ocorrer no próximo domingo (11).
A banda
A Tarcísio Meira's Band nasceu em 1993, durante uma festinha de Dia das Bruxas na casa de uma amiga de Márnei. No intervalo da banda principal, o artista e os amigos subiram no palco, todos fantasiados, e começaram a fazer uma "palhaçada", misturando Iron Maiden com Amado Batista. A partir deste episódio, o líder do grupo decidiu que era isso que queria fazer — e o nome da banda surgiu depois de algumas deliberações sobre qual ator global iria ser homenageado. Por pouco, não foi Francisco Cuoco's Band.
— Desde que me conheço por gente, eu sou um cara divertido, engraçado. Diziam que eu era até meio parecido com o Jerry Lewis. E antes da Tarcísio, eu tinha uma banda de hardcore, a Insanidade. Os ensaios da banda foram ficando engraçados, a gente marcava um estúdio para ensaiar, mas ficava mais tempo rindo, fazendo palhaçadas, tocando coisas engraçadas. Mais ou menos aí foi surgindo a Tarcísio. Daí, eu convidei os caras que estavam comigo nessa banda para tocar, fazendo mais coisas de humor — relembra.
Os anos foram se passando e a Tarcísio foi conseguindo tocar em bares consagrados de Porto Alegre, como o saudoso Garagem Hermética e chegou a abrir shows da Graforréia Xilarmônica no Opinião. Enquanto isso, Márnei ia dividindo a sua dedicação trabalhando na cozinha do hotel Plaza São Rafael e, depois, sendo motorista do táxi do pai, Gilberto Rocha. De 1993 até 2014, a banda teve diversas formações e organizações — antes de ser vocalista, por exemplo, Márnei era guitarrista — e também passou alguns períodos parada.
Foi num destes momentos de pausa que Márnei recebeu uma ligação da Globo para participar do reality show SuperStar. Quando descobriu que não era trote, foi uma correria para reunir todo o grupo em três dias, já que boa parte estava aproveitando as férias no Litoral. Eles participaram da seletiva, foram selecionados e fizeram sucesso no programa, ganhando o carinho do público.
A partir do programa, a banda conseguiu gravar o seu primeiro disco, em São Paulo, em 2015, mas sem uma boa distribuição, acabou não decolando como os membros esperavam. Além disso, ainda na época do reality, tiveram de recusar shows por não terem um repertório definido para uma apresentação completa, tamanha foi a rapidez com que tudo aconteceu para eles. Mesmo assim, o ex-vocalista do grupo celebra a experiência e enfatiza o ótimo tratamento que ele e os ex-colegas da Tarcísio tiveram nos estúdios da Globo.
— Foi sensacional — ressalta.
Carreira solo
Foi no final de 2019 que Márnei decidiu que era hora de seguir o seu próprio caminho. Estava de "saco cheio" de ter banda. A obrigação de ter que ensaiar continuamente, de ter o compromisso de estar em determinado lugar, em uma determinada hora, depois de quase 30 anos, acabou cansando o músico.
— Demanda bastante tempo e acaba sendo difícil. Decidi sair da banda e ainda disse para os guris que se eles quisessem continuar, poderiam, pegando um outro vocalista. É tranquilo para mim, mesmo sendo fundador da banda: "Pode botar outro cara aí". Mas, até hoje, eles não se mexeram — explica.
Márnei, então, focou em sua carreira solo e, como logo veio a pandemia, precisou ficar trancado em casa. De seu quarto, fez lives no Facebook, sempre com muita irreverência, usando roupas chamativas, adereços coloridos e, até mesmo, uma cabeça de cavalo de plástico.
Foi neste período também que passou a fazer clipes caseiros com suas versões de músicas conhecidas, como Pegando o Ônibus, do Musical JM. No vídeo, o cantor reimagina o clássico das bandinhas usando o cunhado, Diego Borba, casado com sua irmã Fabiane, como o cara que precisa ir encontrar seu amor em Alvorada. E o irmão Jesiel Rocha é quem ajuda na parte técnica, fazendo os ajustes nas músicas e lançando no Spotify de Márnei.
Sem cobranças e no seu próprio tempo, Márnei quer conquistar o público cara a cara. Mas, enquanto não consegue viver somente de seu talento artístico, ele divide o seu tempo, depois de deixar de ser motorista de aplicativo, com a fabricação de pizzas sem glúten que faz em casa, a Rica Duma Pizza. Porém, sem jamais deixar de fazer graça e música.
— Essa coisa de humor, de palhaçada, acho que está dentro de mim. Eu sou meio trancado, meio tímido para falar com as pessoas, mas me transformo no palco, cara — destaca Márnei.