O Homem-Aranha aparece na tela. O cenário, porém, é um pouco diferente do original do personagem da Marvel: ao contrário de Nova York, o herói está em uma chácara. E, aos poucos, começa a ganhar acessórios peculiares, como um chapéu e uma cuia de chimarrão. Em sua fala, conta as dificuldades enfrentadas por ser herói no interior do Estado, sem prédios para saltar e sem supervilões para enfrentar — no máximo, o chamaram para ser segurança de rodeio.
Este é apenas um exemplo de vídeo de Carlos Ferraz, humorista de Júlio de Castilhos que está fazendo sucesso no Facebook, onde já conquistou quase 500 mil seguidores, que se divertem com os vídeos publicados pelo artista. E as produções focam justamente em fazer rir das particularidades do povo gaúcho, principalmente dos habitantes de cidades pequenas. Os vídeos, facilmente, ultrapassam um milhão de visualizações — o maior hit, em que brinca sobre não saber jogar sinuca, conseguiu 10 vezes este número.
Ferraz viu o sucesso chegar em 2020, durante a pandemia, quando decidiu colocar toda a sua energia em produzir conteúdo para a internet em tempo integral. O seu primeiro vídeo nesta nova fase, em que narra as dificuldades do gaúcho ao visitar outros Estados, levou mais de 20 dias para ser escrito — queria que a sua estreia fosse digna da paixão que tem por fazer humor. Ao ver que a sua dedicação havia surtido efeito, conquistando milhares de visualizações logo na arrancada, falou para si mesmo:
— Me sinto predestinado, nasci para fazer isso.
O humorista enfatiza que o seu humor é de identificação e que não cabe a ele emitir ou formar opinião. O seu propósito, segundo o próprio, é fazer as pessoas rirem e enxergarem em seus vídeos a si próprias ou os seus parentes.
— A opinião, tanto política quanto religiosa, até a questão de sexualidade, porque tem sempre a questão de piada com gaúcho gay, é um negócio que eu evito. Acredito que, hoje, não é o meu papel. Não sei daqui uns anos, mas acredito que o meu papel é fazer graça. Conheço até onde eu posso ir para não ultrapassar isso — reforça.
Heróis
O castilhense buscou o humor pela primeira vez quando estava na casa dos 10 anos e via, na escola, dois colegas que considerava hilários fazendo sucesso com as meninas. Ele, mesmo muito envergonhado, decidiu que queria receber a mesma atenção e, então, passou a pesquisar sobre como ser engraçado. Segundo ele, a tática funcionou e os namoricos aumentaram. Mas tudo mudou, mesmo, quando ele, aos 12 anos, assistiu a um show de stand-up de Cris Pereira:
— Eu fiquei fascinado pensando em como que ele era tão engraçado e ficava uma hora e pouco fazendo todo mundo dar risada. Ele e o Paulinho Mixaria, que sempre foi o meu herói. O Paulinho Mixaria eu não cheguei a ver pessoalmente, mas lembro que, pequenininho, os meus primos colocavam no celular os áudios do show dele e a gente ficava na volta, "se mijando" de dar risada. E foi assim que eu me decidi que, um dia, eu iria fazer isso.
E assim foi feito. Ainda na adolescência, Ferraz começou a viajar com os pais com bastante frequência de Júlio de Castilhos para a Região Metropolitana de Porto Alegre, para fazer open mic em shows de stand-up — cinco horas de viagem para contar piadas por cinco minutos nos bares de comédia. Neste meio tempo, tentou algumas incursões na internet, mas sem a sua "essência", onde tentava imitar youtubers paulistas e fingia ser o que não era.
— Quando eu tinha uns 18 anos, eu vi que eu era assim mesmo e assumi essa minha essência de gaúcho, e busquei trazer esse público para mim. Me inspirei muito no pai, que é gaúcho nato, ama a tradição, só escuta música gaúcha — conta Ferraz.
Receita
Carlos Ferraz nasceu em 11 de setembro de 2001, em Santa Cruz do Sul, porque não tinha vaga no hospital de Júlio de Castilhos no dia. Mas ele garante que só veio ao mundo na outra cidade. Assim que recebeu alta, já retornou para junto dos castilhenses — e nunca mais saiu de lá. Sobre a data peculiar de seu nascimento, ele, claro, faz piada:
— Foram dois atentados no mesmo dia (risos).
Hoje, o humorista se dedica inteiramente aos seus vídeos e agradece ao Facebook pelo contrato assinado como criador de conteúdo, que possibilita monetizar o seu conteúdo. Porém, para os próximos meses, ele já planeja expandir para outras plataformas, como Instagram, TikTok e YouTube, com linguagem própria para cada uma delas. Mas de onde vem tantos causos gaúchos? O humorista diz que é tudo da família. Quando falta assunto, ele vai tomar um mate com os avós maternos Ito e Sueli da Silva, e garante que sai de lá com temas para um mês de vídeos.
— Eu acho que os conteúdos viralizam mais por causa deles por trás das câmeras, na parte do roteiro, no processo criativo, do que por causa minha. Eu sou só meio que um fofoqueiro, só conto o que eles contam.
E a questão da família é muito presente para Ferraz, tanto é que decidiu trazer a sua outra avó, Maria, mãe de seu pai, João, para os seus vídeos. O motivo? Ele diz que ela é uma daquelas "véia bagaceira" e que ri de tudo. E, realmente, foi um sucesso. As produções com a "vó raiz" acumulam milhões de visualizações e mostram a dona Maria dando dicas para as mulheres gaúchas, contando causos e, acima de tudo, sendo desbocada — mas de uma maneira muito fofa.
— Foi convidar ela uma vez, não precisou uma segunda. Cheguei pra ela e disse: "Vó, que tal a gente gravar um vídeo juntos para o pessoal lá que me segue?". Ela disse na hora: "Tá, vamos". No outro dia, cheguei na casa dela para gravar e estava ela de banho tomado, brinquinho novo, até um blusão que nunca tinha usado ela colocou. Ficou realmente faceira demais — conta Ferraz, que garante que a avó "ri como criança" ao ler os comentários de carinho dos fãs.
Apesar de seu total domínio da câmera e de se mostrar à vontade para produzir o seu conteúdo, Ferraz afirma que é muito tímido no seu dia a dia, mas quando aperta o botão de gravar ou sobe em um palco, se transforma. O que explica esta mudança de atitude, ele diz que não sabe, mas que busca essa resposta até hoje.
— O cara dos vídeos é o Carlos Ferraz, tanto que eu nunca quis colocar nome de personagem nenhum, porque não é um personagem. Sou eu mesmo, mas diferente. É que nem o Super-Homem, que é o Clark Kent. Fora do trabalho dele como herói, é só uma pessoa normal. Mas quando coloca a capa, o bruxo voa — destaca.
Para o futuro, Ferraz pretende rodar o Estado com o seu show solo, no qual ele já está trabalhando. Além disso, espera poder encontrar com as suas inspirações Cris Pereira, Paulinho Mixaria e Whindersson Nunes, para falar como eles mudaram a sua vida e, quem sabe, gravar uns vídeos juntos.