Aos 41 anos, Daiane Moraes finalmente lançará seu primeiro disco. Conhecida como Laddy Dee, a rapper pelotense já acumula mais de duas décadas de estrada. Seu principal sustento vem do trabalho como faxineira, já que ainda não é possível viver da música. Também é graduanda no bacharelado de composição musical na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), curso em que entrou pelas cotas em 2019. Daiane está segura: seu momento é agora.
Esta chance de Laddy Dee poder gravar um álbum surgiu pelo Edital Natura Musical 2021, que, na última segunda-feira (31), revelou os trabalhos que serão patrocinados pela plataforma em 2022. O disco de Daiane é um dos seis projetos gaúchos selecionados pelo edital, que, no total, recebeu 3.720 inscrições.
Desde 2005, o Natura Musical promove uma chamada anual para artistas, produtores e coletivos que tenham ideias contendo a música brasileira como eixo principal. Os projetos são submetidos a uma curadoria externa (composta por produtores, pesquisadores e artistas), que fazem a recomendação à Natura. No programa de 2021, foram oferecidos R$ 5,5 milhões em fomento aos artistas e coletivos selecionados, sendo R$ 1 milhão para o Rio Grande do Sul — o edital conta com o apoio das leis de incentivo à cultura do Estado.
— O grande objetivo da Natura ao fomentar música e cultura é promover o conhecimento de novas histórias e linguagens — diz Fernanda Paiva, Head of Global Cultural Branding. — Para a gente, é um momento de grande renovação. De conhecer o que está sendo produzido, as cenas emergindo ou aquilo que não tínhamos contato.
Segundo Fernanda, o edital buscou uma pluralidade da música brasileira. Os critérios da seleção passam por relevância, impacto (contribuição para desenvolvimento artístico regional), diversidade e inclusão, e, por fim, inovação — se aquela iniciativa traz experimentação de linguagem.
No total, 33 artistas e coletivos serão contemplados pelo Natura Musical em 2022. Além de Laddy Dee, outras duas artistas marcam presença entre os seis projetos gaúchos contemplados: a cantora de R&B Ianaê Régia promoverá o disco visual Afroglow, com o qual pretende fortalecer a rede de apoio afro-gaúcha; e a rapper Cristal, uma das revelações do hip hop do Estado, que irá trabalhar na concepção de seu novo álbum, pautado na estética afrofuturista e com referências à black music.
— Há uma força muito grande quando colocamos as três no resultado do edital. Há duas novas artistas em ascensão, como Cristal e Ianaê. E há a Laddy Dee, que já tem estrada, mas é a primeira vez que será reconhecida para gravar um álbum em estúdio. As narrativas delas ajudam a revelar o histórico da cultura negra no Estado, só que com linguagens diferentes — destaca Fernanda.
Entre os outros projetos gaúchos selecionados pelo edital está o álbum visual Goj tej e goj ror — As Águas São Nossas Irmãs, que é um trabalho do povo Kaingang. O disco visa narrar o encontro das águas e terras do território indígena. Por fim, dois eventos foram contemplados: Festival Rap Contra o Frio, em Rio Grande, e o Festival Cabobu — A Festa dos Tambores, em Pelotas, que foi idealizado pelo percussionista mestre Giba Giba e pretende reunir grupos de música e dança populares do município.
De acordo com Fernanda, o edital promove uma diversidade musical do Estado que ainda é pouco observada, como é o caso dos projetos selecionados:
— Quando o Brasil olha para o Rio Grande do Sul, essa não é a cultura que a gente tem como mais evidente. Fazer investimentos em projetos assim ajuda a expandir essa pluralidade musical e criativa a ser percebida do Estado.
Chance
O Natura Musical também traz aos holofotes trajetórias que há anos trabalham em busca de uma chance. É o caso de Laddy Dee. Ela começou em 1997, integrando o grupo de rap Mente Aberta. Ao longo de sua trajetória, Daiane experimentou diferentes estilos: passou por bandas de pagode, reggae, rock, MPB e fez backing vocal em grupo de boate. Cantou em coral de escola, igreja e da UFPel. Ainda, ela é intérprete da banda Dona da Noite, do Carnaval de Pelotas.
Contudo, é o rap que lhe abriu as portas. Valorizando a sonoridade dos anos 1990, seu estilo carrega influências da paulista Dina Di e da pelotense Preta G. É possível perceber essas influências nos dois singles que Laddy Dee lançou no ano passado, Nossa Trajetória e Cria do Gueto.
— Ainda há pessoas que gostam de ouvir o rap antigo e falado, que trata sobre a periferia e a emoção. Aquele que tu ouves e se arrepia. É isso que quero tentar passar na minha música — descreve a rapper.
Sobre o projeto de seu primeiro álbum ter sido selecionado para o Natura Musical, Daiane admite que a ficha ainda não caiu. Ao receber a notícia, a artista relata que viu toda a sua história passar diante de seus olhos.
— Agora é o meu momento, não tem como fugir. Estou há 25 anos em atividade e só agora que as coisas estão melhorando para mim. Nunca tive essa oportunidade real. Pelo fato de ser mulher, de toda a dificuldade que a gente passa... estou atingindo meu ápice na maturidade, mesmo — reflete.