Representar meio século de história. Esta é a responsabilidade dos cantores que subirem ao palco da concha acústica do Parque Dom Pedro II, o Parcão de Uruguaiana, entre esta sexta-feira (17) e domingo (19). A 43ª edição da Califórnia da Canção Nativa marcará os 50 anos de existência do festival, que surgiu em 1971, idealizado pelo CTG Sinuelo do Pago, dando início a um frutífero momento na música regional gaúcha, revelando diversos talentos e expandindo o nativismo para o Estado e para fora dele.
Os três dias do evento deste ano, que começarão sempre às 20h, serão utilizados para escolher quais serão as três músicas que ficarão com as Calhandras de Ouro, de Prata e de Bronze entre as 24 semifinalistas classificadas após uma criteriosa e longa triagem. Isto porque a edição deste ano da Califórnia da Canção Nativa recebeu nada menos que 853 inscrições, que foram analisadas pela comissão formada por Gustavo Brodinho, Maria Luiza Benitez, Vaine Darde e Maxsoel Bastos.
O encontro deste ano contará com uma novidade importante: o público, pela primeira vez, terá entrada franca ao local onde serão as apresentações musicais. A Califórnia da Canção, que antes ocorria no Teatro Municipal Rosalina Pandolfo Lisboa, agora poderá ser acessada livremente pelos entusiastas do nativismo. E, além disso, também será transmitida pelas redes sociais do evento, expandindo ainda mais o seu alcance.
— A Califórnia da Canção não é só o primeiro dos festivais nativistas. Ela é geradora de um movimento cultural cujo desdobramento não se deu apenas na área musical com a proliferação de muitos outros eventos deste tipo. Em Uruguaiana, em 1971, abriu-se um novo horizonte cultural para os gaúchos cujos reflexos estão aí no campo e, muito fortemente, nas cidades — destaca o jornalista José Alberto Andrade, responsável por cobrir o evento pela Rádio Gaúcha.
Na Gaúcha, serão três programas transmitidos diretamente de Uruguaiana, além de participações na programação com informações do festival e a divulgação de canções classificadas e vencedoras. No sábado (18), das 15h às 18h, o programa Show de Bola estará com Andrade ao vivo do auditório da Rádio Charrua com convidados especiais. No domingo (19), das 8h às 9h30min, o Galpão Crioulo estará no mesmo local com a presença de artistas e figuras marcantes destes 50 anos de Califórnia. O Cardápio de Domingo, entre as 15h e as 18h, também dará espaço para o evento. O resultado do festival será informado no Bom Dia Segunda-feira, nas primeiras horas da segunda-feira (20).
Gerações
Neste ano, a Califórnia da Canção Nativa tem como tema "Tradição de pai para filho". Na imagem que ilustra o pôster do evento, criada pelo artista plástico Mauro Vila Real, é possível ver a representação da cultura gaúcha sendo passada através das gerações. E, justamente no festival que tem esta temática, um caso representa literalmente o que a sua identidade visual quer passar.
Vindos de São Borja, Rodrigo Bauer e Matheus Marchezan Bauer, pai e filho, respectivamente, são os responsáveis por duas das 24 canções que estão disputando o festival. Enquanto o patriarca é autor da letra da milonga O Ontem, que tem melodia de Felipe Goulart, o herdeiro compôs a canção A Casa em que Cresci, com música de Alexandre Scherer.
Segundo Maxsoel Bastos, que integra a comissão de realização da Califórnia da Canção Nativa, a escolha dos trabalhos dos Bauer para a competição foi puramente fruto do talento da dupla, uma vez que as músicas são codificadas e os jurados recebem apenas números para votar, sem saber quem compôs cada uma das canções.
— A Califórnia tem uma característica interessante que é de sempre abordar temas novos. Neste ano, teremos músicas que tratam de questões sociais atuais, que só não vou revelar para não acabar com o ineditismo. Mas, entre as músicas apresentadas no palco, teremos abordagens de temas atuais bem interessantes de serem observadas — destaca Bastos.
O membro da coordenação do evento ainda pontua que, neste ano, haverá uma grande diversidade de ritmos, entre eles chamamés, milongas, chamarras, vaneiras e mazurcas:
— São ritmos bem distintos e que trazem uma característica de multiplicidade para a Califórnia.
Dificuldades
Apesar de sua importância para o Rio Grande do Sul — tanto é que, desde 2004, é considerada patrimônio cultural do Estado —, a Califórnia da Canção Nativa enfrenta dificuldades em sua realização. E este não é um problema de hoje. Ao comparar a idade do festival (50 anos) com a quantidade de edições já realizadas (43, incluindo a deste ano), é possível constatar que a conta não bate, pois houve sete anos em que o evento não foi realizado. E isso, de acordo com Maxsoel Bastos, que também atua na área de viabilização financeira do evento, deveu-se à falta de investimento.
O festival deste ano, por exemplo, está tentando ser viabilizado há cerca de um ano, depois de uma edição totalmente virtual em 2020. Após não conseguir fundos com o Ministério do Turismo, teve o seu projeto submetido à Lei de Incentivo à Cultura federal (Lei Rouanet), sendo aprovado para captar recursos em novembro. Porém, os organizadores não conseguiram encontrar patrocinadores interessados em apoiar o evento.
— A ideia do projeto era que o evento fosse mais amplo, com vários shows e apresentações, inclusive de dança, para comemorar os 50 anos, mas não foi possível pela falta de interesse das empresas em formar parcerias — pontua Bastos.
Em função disso, o evento teve que ser idealizado em uma escala menor, contando apenas com recursos da prefeitura de Uruguaiana. E, por isso, como uma forma de retribuição, a Califórnia da Canção será aberta ao público, sem a cobrança de ingressos como nas edições passadas. Na programação, além da competição musical, o palco contará com shows de talentos locais, dando oportunidade para os artistas da cidade.
Outro ponto tradicional da Califórnia da Canção que, por falta de viabilidade financeira, vem se perdendo é o disco com as 12 músicas que passam para a final do festival. Nos últimos anos, não foi possível realizar o álbum, mas, para celebrar o meio século do evento, em 2021, um CD seria gravado, de acordo com o projeto submetido à Lei Rouanet. Com a falta de investimento por parte das empresas, o material está ameaçado de não ser produzido.
— Essa falta de interesse por parte das empresas é uma grande incógnita para nós. Como membro da comissão de realização, fico chateado — desabafa Maxsoel Bastos.
E, para tentar salvar o festival nos próximos anos, os responsáveis pela Califórnia da Canção Nativa estão projetando remover o evento do tradicional mês de dezembro para, assim, evitar que os empresários não queiram apoiar o projeto pela falta de tempo dentro do ano para reaver o investimento dentro da Lei de Incentivo à Cultura.
— Se até novembro não conseguir captar, o patrocinador não dá o dinheiro em dezembro, porque ele não consegue aproveitar o crédito no mês subsequente, que seria janeiro do outro ano, porque a utilização ficaria limitada dentro do ano-base. Esse é um problema que a Califórnia enfrenta e, por isso, estamos estudando mudar a data — explica Bastos.
Apesar das dificuldades para a realização, a Califórnia da Canção Nativa é um dos eventos mais importantes para o regionalismo gaúcho e, por isso, no dia 22 de dezembro, a partir das 20h, no Teatro Dante Barone (Praça Mal. Deodoro, 101), em Porto Alegre, será realizado o espetáculo Califórnia da Canção Nativa – 50 Anos de Nativismo – Tempo e Movimento. A apresentação mesclará canto e teatro para contar a história do festival, gênese do movimento que mudou para sempre o cenário da música gaúcha.
— Não há como não reverenciar o evento que já influenciou o comportamento de várias gerações, botando a música regional num novo patamar, pilchando os centros urbanos do Estado com as pessoas naturalmente usando suas bombachas e tornando inseparável o hábito do chimarrão — afirma José Alberto Andrade.