Quando Paulo de Almeida Lima e Ivan Pinheiro Machado lançaram a L&PM, em agosto de 1974, não havia qualquer pretensão de criarem uma das maiores editoras do Brasil. Eram apenas jovens porto-alegrenses que queriam fazer um pouco de barulho em um país que há 10 anos era forçado a conviver com a ditadura militar.
Inicialmente publicando autores que faziam críticas ao regime, depois criando a coleção L&PM Pockets, que deu uma roupagem moderna e bem-feita aos livros de bolso, marcaram a história do mercado editorial brasileiro.
Na 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no Distrito Anhembi, o estande da L&PM é um dos mais bonitos e movimentados. Sem disfarçar o orgulho, Ivan observa jovens entrarem e saírem com dezenas de livros comprados. Minutos antes da entrevista, organizava exemplares cuidadosamente em uma estante.
— A Bienal é o tambor do Brasil. Toda a cadeia do livro está aqui. Autores, gráficas, editores, distribuidores, livreiros. Aqui é o único lugar em que conseguimos montar uma parede com mil livros de bolso. A faixa etária que frequenta o nosso estande é baixa, porque os jovens sabem que o livro de bolso é barato. Há pouco, uma menina comprou 18 livros da Agatha Christie — comemora.
Foi nos pavilhões da Bienal que a dupla concedeu entrevista a Zero Hora. Depois de passarem um susto durante a enchente de maio, com a sede da editora na Voluntários da Pátria sendo tomada por 1m20cm de água, dizem que chegaram até aqui como dois atletas disputando uma corrida de obstáculos.
Vocês eram muitos jovens quando criaram a L&PM. Tiveram até alguns problemas com a ditadura.
Paulo de Almeida Lima: Com 18 anos, nós criamos uma agência de publicidade. O Edgar Vasques (cartunista) foi nosso sócio, mas em 1972 ele saiu para trabalhar na na Folha da Manhã, na Caldas Júnior. Em 1974, nós já queríamos fazer outra coisa. Resolvemos criar a editora e publicamos Rango, do Edgar. Foi um sucesso.
Ivan Pinheiro Machado: Nós vivíamos em plena ditadura e o Rango era um combatente das forças democráticas, um filósofo que pensava sobre sua realidade e confrontava o regime. E nós queríamos incomodar a ditadura. Publicamos Rango e obviamente nos incomodamos. Tivemos que dar explicações para a Polícia Federal, em Porto Alegre... Nossos pais armaram um esquema com o Erico Verissimo caso fôssemos presos. O Erico escreveu o prefácio de Rango, dizendo que recomendava a leitura "com estusiasmo". A polícia alegava que era uma revista, e para publicar uma revista, tinha que ter registro no Departamento de Censura Federal. E nós não tínhamos esse registro. Eu explicava que era um livro, mas o censor chamou de "revista vagabunda". Quando eu falei, "olha aqui, tem prefácio do Erico Verissimo", o censor falou "te manda daqui". Nós éramos uns guris... Sempre tivemos problemas com a lei.
Que outras grandes publicações a L&PM emplacou depois de Rango?
Ivan Pinheiro Machado: Publicamos três livros do Paulo Brossard (gaúcho de Bagé, foi deputado estadual, deputado federal, ministro da Justiça e ministro do STF), um deles O Ballet Proibido (1976), quando o ballet russo Bolshoi foi proibido de se apresentar no Brasil. Os livros do Brossard foram um estouro.
Paulo de Almeida Lima: Pegamos discursos do Brossard que ele proferia na Câmara dos Deputados. Os jornais publicavam apenas que o deputado havia proferido um discurso, e em seguida colocavam um trecho de Os Lusíadas ou receita de bolo. Todo mundo queria saber o que era o discurso. Então nós pegamos os discursos e publicamos. Não sei como não fomos presos...
Ivan: A gente estava sempre esteve na corda bamba.
Então vocês gostavam de provocar a ditadura?
Ivan Pinheiro Machado: Um dia, deveria ser 1976, eu estava em Portugal e encontrei o Darcy Ribeiro (antropólogo, autor de O Povo Brasileiro). Eu estava na casa do Josué Guimarães (escritor gaúcho, autor de É Tarde para Saber e Camilo Mortágua). O Darcy me perguntou: "O que tu faz, guri?". Eu disse que nós estávamos fazendo uma editora. Ele disse: "uma editora? Numa hora dessas? Que beleza. Isso é a insciência da juventude". Ele foi absolutamente preciso. Nós éramos guris. Íamos fazendo. Tivemos o privilégio de conhecer pessoas incríveis. Convivemos com Eduardo Galeano, Millôr Fernandes, Darcy Ribeiro, Erico Verissimo, Luis Fernando Verissimo, Moacyr Scliar. É o nosso patrimônio.
Paulo de Almeida Lima: Convivemos com o Millôr durante 35 anos. Isso foi o que valeu.
O grande produto da L&PM são os pockets, que se consolidaram nacionalmente. Era uma novidade no Brasil?
Ivan Pinheiro Machado: Pegamos a ideia da França, que tem o maior mercado de livros de bolso do mundo. Criamos o nosso livro de bolso em 1997. O livro pocket já existia no Brasil, mas era caça-níquel, eram edições ruins. Tivemos que restaurar a imagem do livro de bolso. Nossa grande sacada foi não olhar para o livro de bolso como um subproduto, mas lançar títulos inéditos em livro de bolso. Pablo Neruda, Eduardo Galeano, Nietzsche, Shakespeare... Nós temos Shakespeare traduzido pelo Millôr Fernandes. Fizemos a maior coleção de livros de bolso do Brasil. Eu tenho orgulho disso. O livro de bolso representa 50% do movimento da L&PM e 65% do total dos nossos exemplares. Já vendemos 30 milhões de livros de bolso. E não ficamos milionários (risos).
Paulo de Almeida Lima: O mais importante da coleção de livros de bolso são as traduções. Sempre foi um cuidado da L&PM garantir traduções de grandes tradutores. A coleção do Freud foi traduzida do alemão direto para o português por especialistas na área, corroboradas por equipes da USP e da UFRGS.
A L&PM acabou de completar 50 anos. Qual é o sentimento ao chegar até aqui?
Ivan Pinheiro Machado: Estamos vivos, celebrando da mesma forma que um corredor chega após uma corrida de obstáculos. Porque o que vivemos é uma corrida de obstáculos. Conseguimos sobreviver à ditadura, à enchente, pandemia, à grandes livrarias que quebraram e ficaram nos devendo milhões de dólares... É uma corrida de obstáculos. Somos sobreviventes. Enfrentamos momentos difíceis e superamos tudo isso porque somos otimistas.
Paulo de Almeida Lima: Celebramos as pessoas que leram nossos livros. Isso é o que é importante.
Depois de ser escolhido patrono da 70ª Feira do Livro de Porto Alegre, Sergio Faraco anunciou nas redes sociais a continuação de Lágrimas na Chuva, da L&PM, em que conta sua experiência na União Soviética durante a Guerra Fria e o início da ditadura militar no Brasil. Que livro marcante.
Ivan Pinheiro Machado: A continuação se chama Digno é o Cordeiro. Fui eu que desenhei a capa. É a história de quando ele voltou da Rússia e chegou em Santana do Livramento e foi preso. Saiu de um inferno lá na URSS e entrou em outro aqui. Vamos lançar o livro daqui uns 20 dias.
Alunos de escolas públicas municipais de São Paulo chegam à Bienal com vouchers para comprar livros, algo que a Feira do Livro de Porto Alegre ainda não conseguiu instituir. Como vocês olham para as duas feiras?
Ivan Pinheiro Machado: O Rio Grande do Sul é um Estado que não aparelha as suas bibliotecas públicas. A última compra para bibliotecas públicas feita no RS foi há quase 40 anos, com o Antônio Britto. Não existe programa de aparelhamento de bibliotecas no Estado. Existe em São Paulo, no Rio de Janeiro, Goiânia, Vitória, Belo Horizonte... A toda hora vendemos livros para essas capitais. Em São Paulo, há bibliotecas que permitem que cada aluno autorize outras pessoas da família a tornarem-se frequentadores. O Rio Grande do Sul vive um atraso monumental.
Paulo de Almeida Lima: Mas a venda é parecida. Porto Alegre é hors concours.
Ivan Pinheiro Machado: Na Feira do Livro de Porto Alegre, nós vendemos livros da L&PM em nosso estande e em outras 20 barracas. Lá, temos a possibilidade de colocar livro em toda a Feira.