Protagonistas femininas com densos diálogos internos e batalhas contra a própria consciência têm sido ponto de acolhimento para jovens mulheres. Pelo menos é isso que demonstra o recente apelo dessa geração pela chamada "literatura de mulheres doidas", termo que viralizou nas redes sociais. Resgatando obras de escritoras consagradas, assim como colocando em destaque produções emergentes, a nova onda surge para reafirmar uma certeza: é normal se sentir perdida aos 20 e poucos.
A Hora da Estrela, de Clarice Lispetctor, A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath, e Meu Ano de Descanso e Relaxamento, de Ottessa Moshfegh, são alguns dos títulos que costumam estampar os vídeos curtos que circulam no BookTok (subcomunidade do TikTok voltada para a criação de conteúdo literário). Em comum, essas obras costumam se fortalecer por suas personagens detalhadas e complexas.
Ainda que provoque certo desconforto inicialmente, o título que pode soar taxativo não tem pretensão de agredir. Ele surge justamente do movimento contrário, como que por uma vontade transgressora de suas próprias criadoras — booktokers mulheres na faixa dos 20 a 30 anos — para lembrar que a loucura é relativa.
Assim, os livros de mulheres doidas tendem a subverter as noções tradicionais de feminilidade, descrevendo protagonistas cansadas, ansiosas, frustradas e deprimidas, que contrastam com o ideal da mulher delicada, comportada e sem desejos, promovido ao longo dos séculos por obras majoritariamente escritas por homens.
Nas tramas, essas personagens imperfeitas enfrentam dilemas morais, muitas vezes abraçam o próprio egoísmo, lidam com as frustrações de relacionamentos fracassados e falam explicitamente sobre sexo. Ou seja, elas se comportam como mulheres reais, gerando identificação nas leitoras.
Basta uma rápida pesquisa no aplicativo de vídeos que surgem inúmeros conteúdos de análise e recomendação sobre o assunto. Confira a seguir algumas das principais autoras citadas.
Quais são os livros de mulheres doidas
Ottessa Moshfegh
Natural de Massachusetts, nos Estados Unidos, a americana de 43 anos é mais conhecida por seu romance Meu Ano de Descanso e Relaxamento, publicado no Brasil pela editora Todavia, em 2019. Narrada em primeira pessoa e descrita por leitores como um relato preciso da depressão, a obra retrata a rotina de uma protagonista sem nome que decide hibernar durante um ano inteiro dentro do próprio apartamento.
Coco Mellors
Graduada em escrita criativa pela Universidade de Nova York, a romancista teve a sua estreia literária recentemente, com a publicação de Cleópatra e Frankenstein (2022). O romance, que rapidamente tornou-se um it book nas redes sociais, conta a história de um intenso e imperfeito casal que enfrenta o declínio de um relacionamento apressado. Em maio deste ano, Coco lançou As Irmãs Blue, em que traça um retrato do vício a partir de suas três personagens principais.
Sally Rooney
Aos 33 anos, a escritora irlandesa já coleciona uma série de reconhecimentos e teve duas obras adaptadas para a TV. Autora dos best-sellers Conversas Entre Amigos (2017) e Pessoas Normais (2018) — ambos levados às telas pela plataforma Hulu —, além de Belo Mundo e Onde Você Está (2021), ela se destaca pela habilidade em descrever mulheres jovens e talentosas, porém autodestrutivas. Intermezzo, o seu quarto livro, está previsto para chegar às livrarias em setembro deste ano.
Sylvia Plath
Uma das principais expoentes da poesia confessional, Sylvia Plath é conhecida por narrar em seus versos a intimidade e as angústias da condição feminina. Suas principais obras são The Colossus and Other Poems (1960) e Ariel (1965). Além do romance semiautobiográfico A Redoma de Vidro, tido por muitos como a origem dos livros de mulheres doidas.
Elena Ferrante
Escrevendo sob um pseudônimo, a identidade da suposta autora italiana permanece um mistério há décadas. No entanto, isso não a impediu de tornar-se um fenômeno editorial. Responsável pela aclamada Tetralogia Napolitana, Elena Ferrante cria personagens complexas, ambivalentes e nem sempre boazinhas. A série de quatro partes é composta por A Amiga Genial (2011), História do Novo Sobrenome (2012), História de Quem Vai e de Quem Fica (2013) e História da Menina Perdida (2014).
Annie Ernaux
Em 2022, Annie Ernaux venceu o Nobel de Literatura. Na justificativa do prêmio, foi destacada a "coragem e acuidade clínica com que revela as raízes, os estranhamentos e as restrições coletivas da memória pessoal". Paixão Simples (1991), relançado no Brasil no ano passado, é um ótimo exemplo disso. Nele, a escritora francesa de 83 anos documenta de forma vulnerável as partes boas, ruins e feias de seu caso de dois anos com um homem casado.
Clarice Lispector
Recentemente de volta às telas, a partir do restauro da adaptação A Hora da Estrela (1985), de Suzana Amaral, a escritora ucraniana naturalizada brasileira dificilmente não marca presença nas recomendações literárias para "mulheres doidas". Além da obra publicada em 1977, em que narra a história da datilógrafa nordestina Macabéa, outros livros seus recomendados dentro da categoria são A Paixão Segundo G.H. (1964), Água Viva (1973) e o póstumo Um Sopro de Vida (1978).
Lygia Fagundes Telles
Ao lado de Clarice, Lygia foi uma das mais importantes escritoras brasileiras do século 20. Terceira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, ela deixou como legado uma literatura marcada por perfis femininos emblemáticos. Em As Meninas (1973), sua obra mais estudada e reconhecida pelo claro desafio à ditadura militar (1964-1985), a autora apresenta Lorena, Lia e Ana Clara, três personagens repletas de nuances, que questionam as normas do período em que vivem.
Jarid Arraes
Nascida em Juazeiro do Norte, no Ceará, a escritora da premiada coletânea de contos Redemoinho em Dia Quente (2019), também autora de poesia e cordéis, não tem passado despercebida pelas recomendações do BookTok. Em Corpo Desfeito (2022), o seu primeiro romance, Jarid procura quebrar clichês sobre o sertão nordestino enquanto discute o desenvolvimento de traumas ainda na infância.
*Produção: Juliana Farinati