Um dos eventos literários mais importantes do Estado, a Jornada Nacional de Literatura, que estava previsto para ocorrer na última semana de março de 2020, foi adiado para uma data ainda indefinida em 2021. O anúncio foi feito pela reitoria da Universidade de Passo Fundo (UPF), organizadora da Jornada, em um comunicado oficial divulgado na tarde desta terça-feira (3). O motivo é que, devido às dificuldades provocadas pela atual crise econômica, o evento não conseguiu obter garantias e patrocínios em número suficiente para realizar a sua programação na íntegra. É o segundo adiamento da jornada em um período de seis meses, e a terceira vez em um intervalo de menos de cinco anos que dificuldades financeiras mudaram os planos para o evento.
— Desde o ano passado a universidade está trabalhando com a Prefeitura nas jornadas. Nós fizemos um projeto, fizemos uma readequação com valores mais baixos, buscando fazer toda uma readequação de local, de espaço, tentando manter também a qualidade das jornadas. Fizemos uma série de contatos com empresas estatais, buscando apoios. Mas infelizmente não conseguimos ter as garantias para fazer o evento, e já estamos muito em cima da data para resolver isso. Para não comprometer o projeto, decidimos adiar — diz o professor Rogério da Silva, vice-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UPF.
De acordo com ele, os efeitos da crise secaram ou diminuíram os apoios e patrocínios, mesmo que a Jornada já estivesse trabalhando com um orçamento de pouco mais de R$ 1 milhão (quando o orçamento em 2017, também uma versão enxuta do projeto, havia sido de R$ 2,3 milhões)
— A gente fez todos os contatos com as empresas que poderiam nos ajudar, todos reconhecem a importância da Jornada, pediram mais um certo período para nos informar se poderiam contribuir. Está um ano muito difícil, para todas as atividades culturais. As empresas estão se ressentindo economicamente — explica ele.
A Jornada de Passo Fundo e sua irmã menor, a Jornadinha, já haviam sido adiadas este ano. Originalmente previstas para o período entre 30 de setembro e 4 de outubro, foram transferidas, ainda em julho, para 23 a 27 de março de 2020. Agora, a Universidade de Passo Fundo (UPF), organizadora do evento, estima que ela venha a ser realizada entre setembro e outubro de 2021.
— Não temos ainda uma data, mas acredito que vamos realizá-la no período em que ela costuma acontecer tradicionalmente, setembro e outubro. Vamos reconfigurar a Jornada para essa nova edição. É possível que haja uma mudança de espaço ou de formato — diz Silva.
A organização, no entanto, garante que as atividades paralelas da Jornada, que ocorrem antes do evento principal como ações de incentivo à leitura, serão realizadas no ano que vem, como já foram realizadas este ano.
— A gente fez a Saúde Jornalizada, uma atividade no Hospital das Clínicas em que alunos e professores leem textos literários para pacientes de oncologia. Formamos 300 agentes de leitura e elaboramos três ações de estação de leitura em Passo Fundo e uma em Marau. Todos são eventos programados e vamos fazer de novo no ano que vem. Também teremos encontros pontuais com autores. Tudo isso vai acontecer no ano que vem. Vamos redimensionar o projeto e começar a buscar parcerias para efetivar a Jornada. Ela não vai acabar.
Esta não é a primeira dificuldade enfrentada pela jornada nos últimos anos. A 16ª edição do evento, em 2015, também foi cancelada, e só foi realizada em 2017.
— É uma notícia que nos deixa muito tristes. Acho que, para que tenhamos a Jornada em 2021, não podemos esperar que só o pessoal lá em Passo Fundo consiga mover montanhas. A gente precisará buscar alternativas no Estado para tentar viabilizar. É uma notícia muito grave e lamentável, e temos que enfrentar esses problemas com mais vigor. A Jornada é uma referência para o país. Quando ela perde gás e deixa de acontecer, isso reflete o atual momento do Estado. E o Brasil também perde como um todo — diz Alexandre Brito, presidente da Associação gaúcha dos Escritores (AGEs).
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A jornada da Jornada
1981: é realizada a 1ª Jornada Sul-Rio-Grandense de Literatura, com a participação de aproximadamente 800 pessoas. Um dos convidados, Josué Guimarães (1921-1986), sugere à organizadora, a professora Tânia Rösing, que aumente a aposta e torne o evento nacional, com uma edição a cada dois anos.
1983: a Jornada Nacional de Literatura abre sua primeira edição com a presença de nomes consagrados da literatura brasileira, convencidos pelo ativo apoio de Josué a prestigiar o ainda nascente evento. Entre os primeiros convidados estavam Antônio Callado, Millôr Fernandes, Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Orígenes Lessa. Já no início se estabelece o diferencial da Jornada: as obras são trabalhadas em aula e em seminários antes da visita dos autores.
1989: a Jornada passa a entregar, a cada edição, o Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães, que premia obras inéditas e homenageia o papel de Josué, morto em 1986, na difusão do evento.
1999: a Jornada realiza, a partir da sua 8ª edição, a entrega do Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de literatura, que logo se torna um dos mais concorridos prêmios literários do país, devido ao alto valor pago pelo certame ao vencedor: R$ 100 mil. Já na primeira edição foram inscritos 210 livros, e o vencedor foi o escritor Sinval Medina, com a obra Tratado da Altura das Estrelas.
2001: é criada a 1ª Jornadinha Nacional de Literatura, com uma programação específica voltada para estudantes e crianças.
2005: passa a fazer parte da programação o Encontro Nacional da Academia Brasileira de Letras, que leva integrantes da entidade para seminários em Passo Fundo.
2007: a Jornada começa a realizar como parte de sua programação um encontro de escritores gaúchos.
2015: coordenadora das jornadas literárias por 34 anos, Tania Rösing anuncia à imprensa o cancelamento do evento por falta de recursos. A informação provoca grande repercussão no meio literário, com críticas e a sugestão de um crowdfunding para realizar o evento. Duas semanas depois do anúncio, Tânia Rösing deixa a coordenação. Ela afirma em entrevistas que a saída foi provocada pela insatisfação da universidade com o anúncio público do cancelamento.
2017: a 16ª Jornada é realizada, com dois anos de atraso, uma programação mais modesta, sem tantos eventos paralelos e um orçamento bem mais enxuto.
2019: prevista para ser realizada de 30 de setembro a 4 de outubro deste ano, a Jornada foi adiada, em julho, para março de 2020. Agora, em dezembro, a reitoria da UPF admite que não conseguirá realizar o evento em 2020.