Um autor dedicado a remexer sem trégua a dor de seus personagens, o baiano Javier Arancibia Contreras se dedica, em Crocodilo, a analisar em profundidade a relação entre pai e filho, com seus silêncios e arestas, usando o luto como ferramenta.
Crocodilo é narrado pelo ponto de vista de Ruy, um jornalista veterano e já septuagenário, acomodado na função de editor de um grande jornal. Um dia, seu filho Pedro, jovem e promissor documentarista de 28 anos, se suicida pulando do 11º andar do apartamento em que vivia. O gesto de uma violência e de um desespero incompreensíveis descarrilha a vida até então apática do jornalista.
Descontrolado pela dor, Ruy foge do velório do filho, se afasta da mulher e tenta resgatar seus já quase esquecidos dotes de repórter investigativo para descobrir e compreender os motivos que levaram seu filho a um gesto tão abrupto. Uma viagem que a história apresenta ao longo de sete dias, e que levará Ruy a perceber quão pouco sabia de seu filho, num aceno à passagem que dá título ao livro: um crocodilo de zoológico pelo qual Pedro era fascinado na adolescência, e que permanecia com seu corpo sinistro e poderoso submerso, com apenas os olhos aflorando à superfície.
Contreras nasceu na Bahia, filho de pais chilenos exilados após o golpe de Pinochet — o impacto dessa formação já foi tratado pelo autor em livros anteriores como o thriller inusitado O Dia em que eu Deveria Ter Morrido (2011) ou Soy Loco por Ti America (2016), que reúne quatro novelas sobre América Latina, política e violência. Em 2012, o autor foi um dos 20 “melhores jovens escritores” incluídos na lista organizada pela revista estrangeira Granta, com um conto no qual já ensaiava características que se fazem presente tanto nos livros anteriores quando neste Crocodilo: um domínio firme da técnica e uma predileção por enquadrar de modo meticuloso e quase intolerável o desconforto físico e psicológico, quase de modo a contaminar o leitor com o sofrimento de suas criaturas.
O que talvez seja novo neste romance em particular é que o mergulho ainda guarde uma nota de esperança. A vida segue, e uma hora até mesmo crocodilos vêm à tona.
Ficha de Leitura
- O escritor Jorge Adelar Finatto, autor de O Fazedor de Auroras, lança no próximo dia 28 de novembro, às 19h, seu novo livro, a coletânea de crônicas Navegador de Barco de Papel. O lançamento será na sede da Ajuris (Rua Celeste Gobbato, 229).
- Claudia Tajes autografa no dia 26 de novembro, às 18h, na Livraria PocketStore (Rua Félix da Cunha, 1.167), seu romance Macha, que já havia tido um lançamento na Feira do Livro. Na história, uma mulher acorda transformada em homem.
Prateleira
UM APARTAMENTO EM PARIS
De Guillaume Musso
Este best-seller francês tem início de comédia romântica: a policial inglesa Madeleine aluga um apartamento em Paris para uma temporada de férias e descobre que, por um engano da imobiliária, o imóvel também foi locado para o escritor americano Gaspard, forçando-os a conviver no mesmo espaço durante os dias de viagem.
À medida que a narrativa avança, contudo, ambos se veem entregues à resolução de um mistério envolvendo a morte do proprietário anterior do ateliê, um pintor.
- Tradução de Simone Delahontt, L&PM, 344 páginas, R$ 64,90.
CAFÉ DA MANHÃ DOS CAMPEÕES
De Kurt Vonnegut
Nova edição de uma das obras-primas de um dos grandes satiristas do século 20. Em um tom de cômico didatismo, como se escrevesse um romance para alienígenas alheios aos costumes terráqueos, incluindo até mesmo desenhos explicativos, Vonnegut entrelaça a trajetória de dois personagens, um escritor de livros de terceira que descobre que um até então pacato vendedor de automóveis está sendo afetado pelas tramas de seus livros como se elas fossem verdade.
- Tradução de André Czarnobai, Intrínseca, 400 páginas, R$ 59,90.
AMANHÃ VAI SER MAIOR
De Rosana Pinheiro-Machado
Com o subtítulo O que Aconteceu com o Brasil e Possíveis Rotas de Fuga para a Crise Atual, este livro da cientista social gaúcha Rosana Pinheiro-Machado oferece uma tentativa de análise abrangente sobre as convulsões dos anos recentes do Brasil, das manifestações que tomaram as urnas em 2013 até a ascensão da política de extrema-direita consolidada com a eleição de Jair Bolsonaro. A autora analisa o recuo e o desgaste dos projetos da esquerda, a ascensão da direita e a atual polarização.
- Editora Planeta, 192 páginas, R$ 39,90.
SOBRE OS OSSOS DOS MORTOS,
De Olga Tokarczuk
Anunciada este ano como prêmio Nobel de Literatura 2018, a polonesa Olga Tokarczuk volta a ser publicada no Brasil com este romance, um thriller inusitado sobre política e direitos dos animais. A trama flagra uma professora, polonesa aposentada em um aldeia remota, que passa seus dias traduzindo William Blake e sabotando armadilhas para animais silvestres. Quando membros do clube de caça local aparecem mortos, ela se lança à investigação do caso. Tradução de Olga Baginska-Shinzato.
- Todavia, 256 páginas, R$ 59,90 (papel) e R$ 42 (e-book).