Dadas a riqueza e o nonsense das tramas e maracutaias que formam o cotidiano básico da política partidária e eleitoral no Brasil, é de uma negligência gritante o silêncio a respeito do tema na ficção nacional produzida no século 21. Há exceções pontuais recentes, como A Primeira Mulher, de Miguel Sanches Neto, Habitante Irreal, de Paulo Scott, e Abaixo do Paraíso, de André de Leones, mas nos três casos o tema político é apenas um pretexto parcial ou, no máximo, um pano de fundo logo abandonado em favor de outra história que o escritor estava mais interessado em abordar. É esse um dos elementos que garantem a singularidade de Lambuja, romance recém-lançado pelo jornalista e escritor Caco Belmonte: é uma sátira melancólica e amarga em formato de ficção. Outra característica do livro é o fato de emular declaradamente, em sua estrutura, o clássico Os Ratos, de Dyonélio Machado.
Lambuja acompanha um dia na vida de Jorge, jornalista, morador de Porto Alegre em crise pessoal e profissional. Separado, saiu de casa para viver com outra mulher, o que cria uma relação tensa com a família. Jorge também está desempregado e com dívidas, o que já começa a abalar também a relação com a companheira mais recente. Vem defendendo uns caraminguás fazendo um frila na assessoria de imprensa de uma conceituada deputada de esquerda, um trabalho temporário que foi oferecido com o aceno de uma possível efetivação ao fim do período de contrato, algo a que o personagem se agarra como uma esperança de conseguir dar uma aparência de ordem a sua vida caótica e talvez retomar seu projeto pessoal de se tornar um escritor. Mas tanto a política quanto Jorge têm suas próprias complexidades, e as de um não combinam da melhor forma com as da outra. Melhor dizendo, talvez eles não tenham sido feitos um para o outro.
Em uma linguagem viva e urgente, que adere às perturbações de seu personagem e as analisa por dentro, Caco Belmonte narra as tribulações do jornalista ao longo de um dia já próximo ao fim do período de seu contrato. Profissional experiente, Jorge tem contatos nas redações e talento, mas não conta com a simpatia do chefe de gabinete. Também não tem o temperamento dos mais dóceis e passa a ser acossado por problemas financeiros e familiares enquanto, como um Naziazeno contemporâneo, percorre as ruas de uma Porto Alegre muito mais indiferente do que a retratada por Dyonélio Machado. A emulação de Os Ratos, que poderia ser um problema se fosse simples imitação, é apenas um ponto de partida. O foco em Jorge por vezes se altera, cedendo espaço a breves pontos de vista que quebram a hegemonia do personagem na narrativa e revelam detalhes de problemas que podem fazer suas aspirações naufragarem.
Jornalista, escritor e um dos fundadores da Editora Casa Verde, Belmonte publicou, de forma independente, dois livros de contos cuja combatividade agressiva e satírica se deixava entrever já nos títulos: Contos para Ler Cagando (2004) e No Orkut dos Outros é Colírio (2006). Neste, ele mantém um tom de indignação vibrante, mas a irreverência cede lugar a um cinismo mais melancólico e desesperançado.