Conhecido como autor de um dos grandes e pioneiros romances sobre a vida urbana no Brasil, Os Ratos (1935), Dyonelio Machado (1895 - 1985) teve uma trajetória errática com grandes hiatos na publicação de seus livros. Provavelmente o mais longo deles é o do romance Proscritos, escrito em 1964, que terá permanecido inédito até este sábado, às 17h, quando será lançado em uma atividade especial no Instituto de Arquitetos do Brasil. A atividade é parte da programação paralela da Feira do Livro de Porto Alegre.
Proscritos é o segundo volume de uma trilogia iniciada com Endiabrados e continuada com A Terceira Vigília. Apenas o primeiro volume chegou a ser publicado pelo autor em 1980, duas décadas depois de escrito. Venceu o Jabuti de romance naquele ano, mas foi desaparecendo das prateleiras sem reedição. Os dois volumes seguintes foram deixados concluídos mas inéditos.
A publicação é o resultado do encontro de alguns apaixonados por Dyonelio. O romance foi desencavado do acervo de autor no Instituto Delfos pelo pesquisador Camilo Mattar Raabe, que transformou a tarefa de fixar o texto em dissertação de mestrado. A edição está sendo realizada pela Siglaviva, de Renato Cunha, que originalmente fez contato com as herdeiras de Dyonelio para levar aos cinemas uma adaptação de Os Ratos - o roteiro chegou a ser finalizado, mas Cunha não conseguiu o financiamento. Nesse meio-tempo, montou uma editora. Aceitou no ato a proposta de Amanda Soler Machado e Andrea Soler Machado, nora e neta de Dyonelio, para publicar o romance fixado por Raabe.
Os motivos que levaram Proscritos a ficar inédito podem ser encontrados na própria trajetória de Dyonelio como escritor - entremeando períodos de reconhecimento com etapas de ostracismo crítico e político. A originalidade de obras como Um Pobre Homem (1927) e Os Ratos, por exemplo, foi reconhecida tardiamente. Militante comunista, Dyonelio foi encarcerado em 1935, passou dois anos preso pela ditadura de Vargas e ficou em um silêncio literário autoimposto por duas décadas. Mesmo nos períodos em que sua obra foi revalorizada, a partir dos anos 1960 e 1970, continuou encontrando dificuldades para publicar os livros que havia escrito durante o tempo de recolhimento.
- Ele comentava que, mais do que maldito, era um escritor azarado, porque tudo o que podia dar errado para ele dava - comenta Amanda.
- Ele nunca foi um autor fácil, seu tipo de literatura, o estilo da escrita, eram exigentes. Isso também não o ajudou, principalmente no cenário literário do Rio Grande do Sul - comenta Raabe.
Não há planos definitivos para a reedição do último capítulo da trilogia. De acordo com Raabe, é mais difícil saber se a versão no acervo é passível de publicação.
- O Dyonelio deixou esse livro sem edição, ele trabalhou mais no Proscritos - comenta.
TRECHO
"A questão maior era evitar a Cidade, como preparação para a sua partida, - quase uma arrancada, pouco menos que uma expedição. Evitar a parte viva da Cidade. (...) Nada mais fácil a um indivíduo que se furta, se dissimula, se esconde. Mas isso é que lhe era difícil, e as poucas vezes que o tentara vira-se na contingência de voltar atrás. Não: evitar a vida da Cidade, simplesmente abolindo-a a seu redor, - tarefa ciclópica para quem, nunca tomando (pelo menos em regra) a iniciativa das amizades, das camaradagens, via jorrar sobre si essas familiaridades, no geral degradadas, suspeitas, porque provinham dos necessitados, dos pobres diabos, - dos já classicamente estigmatizados pobres de espírito".
SERVIÇO
"PROSCRITOS"
Dyonelio Machado
Romance
Siglaviva, 240 páginas, R$ 35.
Lançamento neste sábado, às 17h, no Instituto de Arquitetos do Brasil (General Canabarro, 363), e debate com Andrea Soler Machado, Camilo Mattar Raabe, Claudio Cruz, Francisco Marshall e Mauro Gaglietti.
* Segundo Caderno
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