Ganhar o maior prêmio literário do país pode ter péssimas consequências. É o que Paulo Scott faz o leitor se convencer ao longo da leitura de O Ano em que Vivi de Literatura, romance que o autor lança nesta sexta-feira, às 19h, na Livraria Cultura.
Quem conhece um pouco da história do autor gaúcho, que há anos abandonou a carreira de advogado para se dedicar integralmente à literatura, pode imaginar que o título tem relação com a própria vida do escritor. Scott, no entanto, trata de esclarecer que o novo livro nada tem de autobiográfico.
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- É ficção pura, o protagonista não sou eu. Não vivi as situações que estão ali.
É um livro de excessos - apressa-se em dizer ao atender a ligação de ZH no Rio, onde vive há oito anos.
Depois de ganhar R$ 300 mil da mais bem paga premiação literária do país, o personagem principal do romance, o escritor Graciliano, entra em uma espiral de sexo, álcool, solidão e ócio. Poucos meses depois de ter embolsado o prêmio, começa a se endividar no cartão de crédito e passa a viver com um editor em seu encalço - o escritor deve à editora um livro que não consegue escrever, mas do qual já torrou o adiantamento. Aos poucos, o leitor percebe que o vazio do protagonista tem raízes profundas, como afetos familiares que se romperam, alguns deles misteriosamente.
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Apesar de não ser autobiográfico, o ambiente no qual Graciliano se move tem similaridades com o de Scott. O personagem também é um gaúcho que vive no Rio e frequenta o meio literário do centro do país.
- Uso o cenário, mas não tive a intenção de ser um cronista desse ambiente - explica o autor.
As cenas de sexo do início do livro são atraentes, mas vão perdendo a força na medida em que a trama avança. Não se trata de um problema da narrativa, mas de um acerto: o leitor vai perdendo o interesse na contínua repetição das relações superficiais e fugazes do personagem, vivenciando com ele a sensação de esvaziamento emocional e incapacidade de estabelecer relações mais aprofundadas.
- Sexo é bom, mas sempre que há sexo demais há uma coisa errada - avalia Scott.
Não só sexo, mas internet demais também é um problema para Graciliano. Longe de perceberem o vazio cotidiano do personagem, seus amigos de Facebook lhe oferecem centenas de curtidas e comentários a cada poema ou brincadeira postados. Apesar de fugaz, a atenção imediata dos frequentadores da rede social agrada ao escritor, que desperdiça seu potencial criativo nas postagens, deixando de lado o trabalho literário.
- Já vi muito poeta não conseguir mais escrever fora do Facebook - conta o autor.
Muitas vezes tolo, fútil e superficial, Graciliano é também sedutor e capaz de angariar a simpatia de qualquer um - inclusive do leitor. É um personagem complexo, sobre o qual se baseia a força de
O Ano em que Vivi de Literatura, um livro que revela a solidão e os diferentes modos de escondê-la nos nossos dias.
O ANO EM QUE VIVI DE LITERATURA
De Paulo Scott. Romance, Foz, 256 páginas, R$ 39,90. Lançamento nesta sexta-feria, às 19h, na Livraria Cultura do Bourbon Shopping Country (Túlio de Rose, 80). Cotação: 3 de 5 estrelas