Ao longo de 2023, a escritora Claudia Tajes e a psicanalista Diana Corso trocaram cartas tratando do que há de mais gostoso e de mais nocivo em ser mulher – a cumplicidade feminina, a autossabotagem, a culpa que parece vir de berço, entre outros assuntos. Missivas modernas, é claro: chegavam pela caixa de correio ou pelo WhatsApp, mas sempre respeitavam o início, o meio e fim de uma boa carta, às vezes arrematada com um “P.S.” ácido ou revelador.
As correspondências, compiladas no livro Da Sempre Tua (Arquipélago, 2024), são assinadas pelas personagens C. e D., já que as mensagens, embora inspiradas na vida das autoras, também entrelaçam ficção – causos que foram aumentados e tragédias que foram suavizadas pelo bem da leitura. Agora, a obra dá origem à peça homônima, que estará em cartaz no Theatro São Pedro de 20 a 22 de setembro, com direção de Luciano Alabarse.
Com relação à estreia nos palcos, as autoras estão no suspense: só saberão como suas cartas ganharam corpo e movimento de cena quando estiverem na plateia, já que Alabarse se encarregou sozinho da adaptação, munido pelas sugestões da diretora-assistente Angela Spiazi e das atrizes Sandra Dani e Janaína Pellizzon.
— Depois de ler o livro e a adaptação dramatúrgica, cada carta nos causava uma espera de resposta, rimos muito. Imediatamente lembrávamos de uma situação parecida em nossas vidas. Esperamos que o público feminino se identifique, ria, leia e se questione. Ser mulher exige "casca grossa" — afirma Janaína, que interpreta C.
A famosa culpa
Se pudessem trocar cartas com as mulheres da plateia, no dia da estreia, Claudia e Diana afirmam que certamente falariam da culpa feminina, um tema universal que aparece diversas vezes na história, como no trecho em que C. diz: “.... se há algo de que nunca duvidamos, é de ter causado as coisas ruins que nos acontecem”.
— Culpa é um assunto que sempre une todas as mulheres, nem que seja para exorcizá-la. Muitas que leem o livro nos dizem "nossa, eu sempre senti isso”. É algo muito louco porque, embora hoje sejamos muito mais interessantes e inteligentes, não conseguimos largar a culpa — detalha a escritora.
A psicanalista complementa:
— A culpa é sempre um grande protagonismo, é um ser muito importante na história, que mudou o destino nem que seja para o mal. As razões pelas quais a gente não abre mão dela é porque é uma forma de ser importante, nessa coisa de "sou o maior desastre da humanidade", "é por minha causa que meus filhos têm cabelo comprido ou curto, meus netos têm pé grande ou pequeno e meu tataraneto vai ter chulé" e o diabo a quatro.
Ao passo que C. e D. vão amparando uma à outra, dando os puxões de orelha e exprimindo verdades necessárias, fica claro que a amizade feminina é o que move Da Sempre Tua: uma arte milenar, aperfeiçoada em olhares, suspiros, gestos e sussurros durante os séculos em que o protagonismo da voz não era um privilégio das mulheres.
Um vínculo especial, mas que ainda carrega o estigma de que as mulheres são falsas e competitivas entre elas, como observa Diana Corso:
— No fim do livro escrevi um ensaio onde cunho a palavra “amintimidade”, porque a amizade feminina é feita de intimidades. A gente tem uma linguagem complexa, subliminar e temos a potência de estar uma pela outra sem precisar dizer muito. Não tenho que falar para minha amiga "sei que você está deprimida porque teve um bebê, que todo mundo olha para você como se fosse um bagaço cuspido, que você não sabe porque não consegue parar de chorar” — diz Diana. — Basta dizer "deixa que vou lá na sala, faço um cafezinho e me livro dessas pessoas que estão te enchendo o saco. Vai descansar — completa.
Tajes ainda questiona:
— Não sei como é que venderam a ideia de que as mulheres não sabem ser amigas durante tanto tempo. Como é que essa fake news colou por tanto tempo? E o pior é saber que em algum momento da minha vida eu realmente acreditei nisso.
Serviço
- Quando: de 20 a 22 de setembro.
- Horário: sexta e sábado às 20h e domingo às 18h.
- Local: Theatro São Pedro (Praça Mal. Deodoro, S/N - Centro Histórico, Porto Alegre)
- Ingressos: de R$ 40 a R$ 80. À venda neste link.
Todos que levarem um quilo de alimento não perecível pagam metade do valor do ingresso.