Quatro jovens artistas vivem dilemas existenciais enquanto caem na boemia. Quem for assistir à Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) executar La Bohème neste final de semana, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, vai ficar com a sensação de que a história se passa nos dias de hoje, em qualquer cidade com vida noturna badalada. Mas foi a Paris do século 18 que Giácomo Puccini retratou em sua obra máxima.
Trazer uma das óperas mais famosas da história para os dias atuais é uma ousadia da orquestra e do diretor cênico Flávio Leite, cantor lírico e presidente da Companhia de Ópera do Rio Grande do Sul (Cors).
O figurino será contemporâneo, com casacos de couro e tênis, assim como o cenário, composto por painéis do artista visual Celo Pax, grafiteiro conhecido pelos monstrinhos retratados em muros da Capital.
— Ouso dizer que essa será a primeira montagem contemporânea de La Bohème em Porto Alegre — afirma Leite.
La Bohème conta a história de quatro estudantes de arte: o poeta Rodolfo, o pintor Marcello, o filósofo Colline e o músico Schaunard. Rodolfo apaixona-se por Mimi, uma jovem com a saúde bastante fragilizada. Ela será interpretada pela soprano Gabriella Pace e, ele, pelo tenor Lazlo Bonilla. Todos os atores vão dançar e cantar, o que exige um rigor técnico elevado.
"Ópera proletária"
Quando estreou em 1896, no Teatro Regio de Turim, sob a regência do famoso Arturo Toscanini, La Bohème saiu do padrão por trazer a história de pessoas comuns, proletários, e não nobres ou deuses, muito comuns nas óperas daquela época. Por conta disso, foi batizada de "ópera proletária". A montagem da Ospa em parceria com Flávio Leite acaba investindo em ousadia semelhante ao dar contornos atualizados à história.
— A história desses artistas boêmios poderia se passar aqui na Cidade Baixa, ou na Vila Mariana, em São Paulo. Em qualquer lugar e em qualquer tempo. Porque La Bohème trata sobre a juventude boêmia e artística se apaixonando. Mas é um amor desmistificado. É o amor de estudantes pobres que não têm dinheiro nem para o aquecimento da casa no inverno — conta o direto cênico.
Temos que conversar com o tempo em que estamos vivendo. Ópera não é peça de museu, é arte viva
FLÁVIO LEITE
Diretor cênico, cantor lírico e presidente da Companhia de Ópera do Rio Grande do Sul (Cors)
Em quatro atos, La Bohème é marcada por idas e vindas do relacionamento entre Mimi e Rodolfo, abordando temas como luto, perda e amadurecimento. Os cenários de Celo Pax mudam conforme mudam os atos.
Serão apenas duas apresentações, no sábado, às 20h, e no domingo, às 18h. Os ingressos se esgotaram em apenas cinco horas. Legendas em português serão exibidas ao fundo do palco, garantindo acessibilidade a uma linguagem artística tida como erudita.
— Antigamente, a pessoa dizia que não ia na ópera porque não iria entender nada, por ser cantada em italiano. Mas a gente vê seriado da Netflix com legenda, não é? Ópera, hoje em dia, tem legenda o tempo todo sendo projetada no palco. Temos que conversar com o tempo em que estamos vivendo. Ópera não é peça de museu, é arte viva — argumenta Leite.
Cerca de 60 músicos da Ospa se apresentarão no fosso. Em cima do palco, haverá aproximadamente 50 artistas, entre os sete solistas e dois atores, além do Coro Sinfônico da Ospa, o Coro Infantojuvenil e o Coro Jovem da Escola de Música da Ospa. Maestro e diretor artístico da orquestra, Evandro Matté valoriza a ópera por sua capacidade de abranger mais de uma linguagem artística.
— É o que existe de mais completo quando se trata de arte. Não tenho dúvida nenhuma disso. A ópera tem a música, o teatro, a construção de cenários, ou seja, as artes plásticas, além da iluminação, enfim... São vários elementos que contemplam diferentes linguagens artísticas — frisa.
Quanto a Puccini, compositor italiano entre os principais autores de ópera, cujo centenário da morte é celebrado neste ano, Matté reserva os elogios mais entusiasmados.
— Nesta ópera, temos pelo menos três ou quatro das principais melodias escritas na história da música. Puccini era um gênio do ponto de vista de melodia. Como a ópera fala de amor, ele realmente se superou. Melodicamente, é uma ópera incrível, com melodias de chorar — avisa Matté.