O secretário de Cultura de Porto Alegre, Luciano Alabarse, contou ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, detalhes sobre a sessão da peça A Mulher Arrastada que foi interrompida por sons de árias de ópera em alto volume no sábado (22). Alabarse era um dos espectadores presentes na apresentação, ocorrida no Estúdio Stravaganza, no bairro Santana, em Porto Alegre. O espaço cultural é localizado no térreo de um prédio residencial.
— Tem uma primeira cena em um corredor e depois entramos no espaço da representação. Quando lá chegamos, tinha uma trilha muito estranha. Eram árias de óperas, mas num volume ensurdecedor — relatou o secretário. — Até que o autor, Diones Camargo, em uns
10 minutos adentrou a representação e parou o espetáculo, vendo que aquilo era uma ação de vizinhos incomodados pela utilização do espaço como centro cultural e propondo a transferência da sessão de sábado para domingo, às 16h. O público não aceitou. Isso seria deixar que a barbárie, a censura avance, porque aí eles (os vizinhos) teriam interrompido mesmo a representação.
Estrelada pelos atores Celina Alcântara e Pedro Nambuco e dirigida por Adriane Mottola,
A Mulher Arrastada é uma das peças gaúchas mais premiadas dos últimos tempos. Já foi apresentada em Santiago, no Chile, e neste ano realiza turnê por diversas cidades do Brasil pelo Circuito Nacional Palco Giratório.
O texto de Diones Camargo é baseado na história real da auxiliar de serviços Claudia Silva Ferreira, uma mulher negra que morreu aos 38 anos, em 2014, ao ser baleada durante uma operação da Polícia Militar no Morro da Congonha, no Rio. Seu corpo foi levado no porta-malas de uma viatura, mas a porta abriu, e o corpo foi arrastado por 350 metros, em cena registrada por vídeo amador e divulgada pela imprensa na época.
Alabarse descarta a possibilidade de a manifestação ter sido motivada pelo tema do espetáculo:
— É uma peça absolutamente sóbria, muito comovente. Nem entro nessa situação de que foi com aquela peça específica, mas sim com a utilização do espaço dentro de uma área com alguns edifícios no entorno que se sentem, digamos, abalados na sua rotina, no seu cotidiano.
Para o secretário de Cultura, a movimentação de um espaço cultural traz segurança ao entorno:
— Isso afasta a violência. Naquela esquina (do Estúdio Stravaganza), do outro lado da praça, há muitos anos, mendigos dormiam embaixo da marquise. Esta ocupação (do espaço cultural) traz vida, segurança, traz informação para a vida das pessoas. Foi assim na Praça Roosevelt, em São Paulo, cujo entorno mudou quando grupos de teatro foram se estabelecendo lá.
Desenvolvendo seu artigo publicado em GaúchaZH, Alabarse relembrou outros episódios de intolerância ocorridos em Porto Alegre, como a invasão à peça Roda Viva, do Teatro Oficina, em 1968, por um grupo que agrediu atores, e a interrupção prematura da exposição Queermuseu, em 2017.
— Não é só a censura oficial que pode prejudicar o mundo. Essa censura em que as pessoas se dão o direito de fazer justiça com suas próprias mãos é perigosa. Estamos falando do limite entre o que é certo e o que põe em risco a liberdade. É muito importante que todos estejamos atentos para que fatos como esse não se incorporem no cotidiano e, principalmente, para que justiceiros não se sintam no direito de acabar com manifestações culturais — disse Alabarse.