Por Luciano Alabarse, secretário municipal de Cultura de Porto Alegre
Porto Alegre tem testemunhado, e não é de hoje, violentos ataques à livre expressão artística. Episódios como a já longínqua invasão policial durante a encenação de "Roda Viva" e, mais recentemente, a interdição da exposição "Queer Museum" são momentos marcantes dessa fúria censora. Sábado, na plateia do Estúdio Stravaganza, fui testemunha de mais uma deprimente manifestação contra o teatro gaúcho.
Casa lotada para assistir "A Mulher Arrastada", texto onde Diones Camargo centra sua escrita no episódio que envolveu Cláudia Silva Ferreira, mulher de 36 anos, negra, pobre, auxiliar de limpeza de um hospital no Rio de Janeiro, brutalmente alvejada pela Polícia Militar ao sair de sua casa, no morro da Congonha, para comprar pão. Seu corpo, alvejado por uma saraivada de balas, foi jogado no camburão da viatura e, no trajeto, a porta se abriu. Ainda viva, Cláudia foi arrastada por cerca de 350 metros pelas ruas da cidade. Essa história de horror real encontrou na direção de Adriane Mottola a condução precisa que o tema pedia. Adriane contou com a atriz Celina Alcântara, em atuação extraordinária, para dar vida à morte anunciada. O espetáculo é um dos mais importantes dos últimos anos. Um grito excruciante contra o racismo brasileiro.
A peça, curta, dura menos de uma hora e foi apresentada às 20 horas. Ou seja: nada que fira o código de silêncio ou boa educação para com a vizinhança. O que se viu, no entanto, foi mais um exemplar momento da barbárie que se alastra no país. Incomodados com o uso artístico do espaço, para acabar com a apresentação, vizinhos ligaram uma trilha operística em volume ensurdecedor. O autor interrompeu a apresentação, querendo postergá-la para novo dia e horário. O público não aceitou a sugestão e estimulou para que o grupo continuasse, o que felizmente aconteceu.
Arrastados todos nós, no palco e na plateia, pela beligerante e incompreensível atitude, saímos de alma lavada do teatro. Dessa vez, o ódio não venceu.