Por Idete Zimerman Bizzi, médica, psiquiatra e psicanalista
A polêmica sobre a acusação de crime sexual dirigida a Neymar oportuniza uma reflexão sobre a sociedade contemporânea. No livro do americano William Landay, Em defesa de Jacob, acompanhamos o conflito de um promotor encarregado de investigar um assassinato brutal e que, surpreso, vê o nome de seu próprio filho avultar-se como o principal suspeito.
Estamos, os brasileiros, nessa condição importuna: é um herói nacional que está sendo acusado. Com o perdão do trocadilho, dado o primeiro chute, vazada a informação na mídia, sucederam-se os fatos em velocidade estonteante. Surgiram partidários ferozes de defesa e de ataque em manifestações na imprensa formal e informal. O próprio Neymar optou por uma auto defesa imediata, aparentemente espontânea, postando polêmico vídeo em que expõe conversas e imagens íntimas da litigante. Tenta provar que tratou-se de um encontro erótico consensual, o que fica bem evidente, mas não impede que, na sequencia do encontro, tenha havido violência não programada, não consensual e passível de responsabilidade penal.
O fato de o affaire ter se prolongado e não haver menção a agressões nas conversas por Whats que se seguem aponta, igualmente, circunstâncias, mas não exclui a hipótese de agressão. Nas reportagens e comentários veiculados sobre o assunto, sobressaem-se superlativos e palavras de efeito, como "cilada", "histérica", "machismo", que fazem pensar: quem argumentar mais rapidamente, ou gritar mais alto, conquista a razão? O poder de convencimento supera, atualmente, as verdades dos fatos e vivências? Desastrosa realidade cultural seria essa.
Diz a sabedoria popular que as aparências enganam. Sim. Vejo isso no consultório, diariamente, enquanto ajudo meus pacientes na árdua tarefa de olhar para além das primeiras impressões e enfrentar fantasmas incômodos, o que requer coragem. Independentemente do que possa parecer, só o casal sabe o que de fato se passou naqueles encontros em Paris, ou, ainda, talvez divirjam genuinamente suas versões. Julgar sumariamente é fácil e enganador. Escutar, ponderar e aguardar apuração de dados e fatos dos órgãos responsáveis requer mais capacidade. Se não for muito a desejar.