Os assassinatos de Manfred e Marísia von Richthofen tiveram — e ainda têm, quase 20 anos depois — uma ampla divulgação midiática, não apenas pela brutalidade, mas também pelo desenrolar da história, que conta com uma filha, Suzane, orquestrando a morte dos pais e executando o plano ao lado do namorado, Daniel Cravinhos, e do cunhado, Cristian. Porém, mesmo com toda a exposição do crime, considerado brutal, e do julgamento dos culpados, a história ganhou um prólogo. Um não, dois.
Depois de terem o lançamento no cinema prejudicado por conta da pandemia de covid-19, em abril de 2020, os filmes A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais encontraram uma nova casa, o Amazon Prime Video, e, com isso, finalmente o público poderá conhecer as duas versões da história que culminou em um dos crimes mais comentados do país. Cada uma das produções se baseia nos autos do processo, em especial em depoimentos dos envolvidos: a primeira é a versão de Suzane e a outra, a de Daniel. Ou vice-versa. A ordem de assistir é o espectador quem escolhe.
E, mesmo que cada um dos filmes aborde um ponto de vista diferente, é interessante observar o trabalho feito pelo diretor Mauricio Eça e pelos roteiristas Ilana Casoy e Raphael Montes nas obras, que em diversos momentos complementam-se e, além disso, também conseguem manter pontos de convergência. Assim, é um exercício interessante observar as diferenças e semelhanças entre as versões e como elas caminham para o mesmo fim trágico.
Intensidade
Em entrevista a GZH, a protagonista Carla Diaz, que dá vida a Suzane von Richthofen, contou que este foi o grande desafio de sua carreira, por ser um trabalho “visceral e muito intenso”. Para a atriz, contar a história em dois filmes com pouco mais de 1h20min cada é inovador e, ao mesmo tempo, carrega a grande responsabilidade de abordar um caso real.
— Em cada um dos filmes, a gente interpreta personalidades diferentes da mesma personagem. E, em um deles, a gente ainda tem uma outra versão, que é no tribunal, anos depois. Então, eu digo que a gente acabou criando três versões da mesma personagem. A gente mergulhou nesse processo de preparação muito intenso e sabíamos que seria um divisor de águas nas nossas vidas — conta a atriz.
Para Leonardo Bittencourt, que interpreta Daniel Cravinhos, o namorado de Suzane, o processo de composição, de rodar dois filmes simultaneamente e ainda mudar a personalidade na mesma cena para cada um dos filmes foi uma experiência inédita e intensa, que se passou durante 33 diárias, até que as filmagens fossem concluídas.
— Em cada um dos depoimentos, o que mudava era o domínio. Em um dos filmes, quem domina mais é um personagem e, no outro, ele é o mais dominado. Isso ajudava na hora de virar a chave na hora das gravações e a gente se guiar nessas histórias que, apesar de contar o mesmo crime, são depoimentos de formas diferentes — diz.
Carla ainda faz questão de deixar claro que apesar do intenso trabalho de preparação para viver sua personagem, que inclusive lhe tirou algumas noites de sono, os envolvidos nos crimes não tiveram nenhum tipo de contato com os artistas ou com a produção, não recebendo nada pelos filmes, que são inteiramente baseados nos autos dos processos, uma vez que o caso é público. Então, para a atriz, os longas não foram realizados para glamourizar os assassinatos e os seus autores, mas, sim, para fazer refletir:
— A arte existe para questionar. O audiovisual pode falar sobre todos os assuntos e a gente quer muito entender o que passa na cabeça do ser humano. Então, abordar assuntos como o caso Richthofen é importante para a gente falar, discutir. Pode parecer que não, mas parricídios são muito corriqueiros e a gente como sociedade tem de questionar o porquê disso tudo.
Duas versões
Segundo Raphael Montes, que escreveu o roteiro em parceria com Ilana Casoy, criminóloga com vasto conhecimento no caso Richthofen, a ideia era entregar uma história que as pessoas ainda não conhecessem e, ao mesmo tempo, que ajudasse a interpretar a jornada dos envolvidos.
— Eu lembro que a gente passou semanas dizendo: “Ok, o caso as pessoas já conhecem, especialmente depois do crime”, que quase passou a fazer parte do imaginário popular. A nossa grande questão, então, era: “Para que contar essa história e o que interessa contar?” Então, chegamos à conclusão que o que interessava era contar antes do crime — revela o escritor.
Usando como referências a série The Affair e o filme francês Bem Me Quer, Mal Me Quer, que contam com pontos de vista diferentes para a mesma história, a dupla decidiu levar ao público mais das famílias Cravinhos e von Richthofen e quais dinâmicas de relação aconteceram para culminar no crime ocorrido em 31 de outubro de 2002.
Entre a dramatização dos autos do processo, os roteiristas inseriram elementos para destacar a estrutura narrativa escolhida. Durante os filmes, por exemplo, existem cenas em que um detalhe tem sentido diferente de uma versão para a outra, seja um espelho ou até mesmo uma toalha. Estas distinções estão ali para mostrar o que cada um dos personagens principais está pensando ou considera importante dentro de seus próprios depoimentos. Assim, cada longa-metragem, apesar das similaridades, torna-se único. A experiência completa se forma após a conclusão dos dois.
O diretor Mauricio Eça reforçou que o importante era que ficasse muito claro que eram dois pontos de vista diferentes. E, por conta disso, “o desafio foi enorme” para a equipe e, principalmente, para os atores, uma vez que os dois filmes estavam sendo rodados ao mesmo tempo, com as duas versões das cenas filmadas no mesmo dia.
— Não estávamos torcendo por ninguém, não estávamos indo para nenhum lado. Quem vai julgar é o espectador, que vai tomar o lugar do juiz e ver as duas versões. A gente tinha de ser mais isento e mostrar o que cada um estava falando. Quem conta essas histórias são eles mesmos — complementa Eça.
A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais podem ser vistos a partir de sexta-feira (24) no Amazon Prime Video.
Assista ao trailer: