Não é novidade que a pandemia de covid-19 afetou com força o setor cultural, que se viu com pouquíssimas alternativas a partir de março de 2020. Os proprietários de cinemas, por exemplo, não tiveram outra solução que não fosse esperar até que fosse seguro retomar as exibições, uma vez que a experiência consiste em colocar várias pessoas dentro de uma sala para ver um filme.
Acontece que a maioria desses espaços culturais conseguiram resistir às incertezas do período com as portas fechadas, mas desde a retomada definitiva em Porto Alegre, em maio, com a autorização para que os cinemas reabrissem, os cinéfilos da Capital viram salas tradicionais encerrando as suas atividades. Foi o caso do Guion Center e de cinemas da rede Arcoplex, por exemplo. Já as salas do Espaço Itaú de Cinema, que havia anunciado o encerramento das atividades em Porto Alegre, ganharão um novo exibidor.
Na época em que pretendia encerrar as atividades de suas salas de cinema, o proprietário do Guion Center, Carlos Schmidt, contou a GZH que, mesmo com a liberação da prefeitura, o público era insuficiente para cobrir os custos da operação. Já em comunicado, o Espaço Itaú destacou que as salas "vinham operando com taxa de ocupação inferior a 20% desde 2019" e que o cenário se agravou com a pandemia.
Porém, mesmo com as decisões extremas tomadas pelos exibidores citados, para Ricardo Difini Leite, diretor do GNC Cinemas e presidente da Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Feneec), a retomada está sendo positiva desde junho, mas, ainda assim, ela é gradativa. Ou seja, demanda um pouco mais de paciência.
— Ninguém estava imaginando que a gente iria reabrir os cinemas e eles estariam novamente cheios imediatamente, até porque nem pode. O que acontece é que algumas empresas, por situação estratégica, não querem manter os seus gastos enquanto a situação não retorna ao ideal — explica Difini Leite.
Comparação
O ano de 2019 foi excepcional para a indústria cinematográfica, uma vez que filmes como Vingadores: Ultimato e O Rei Leão arrecadaram rios de dinheiro nas bilheterias. E, de acordo com o Difini Leite, o retorno dos cinemas nos últimos meses, mesmo com restrição de público, distanciamento e produções não tão importantes, está, em questão de faturamento, conquistando entre 40% e 50% do total conquistado no último ano sem pandemia.
— Junho foi um mês interessante, julho melhorou e agosto deu uma certa redução, que consideramos normal. Mas a nossa expectativa é de uma melhora contínua — enfatiza o presidente de Feneec.
Já para a diretora da Cinemateca Capitólio, Daniela Mazzilli, o público que frequenta o espaço cultural está, aos poucos, sentindo-se mais confiante para retornar ao local. Atendendo a pedidos dos cinéfilos, a sala que voltou a funcionar em julho foi gradualmente aumentando o seu número de sessões. Começou com uma, foi para duas e, desde a última quinta-feira (16), voltou a contar com três exibições diárias, ofertando mais filmes e voltando ao que era em 2019 — pelo menos, em termos de projeção. Mesmo assim, o número de lugares disponibilizados segue abaixo do permitido: apenas 30%.
— Não sentimos a necessidade de aumentar a capacidade da sala, pois ainda não faltou espaço para as pessoas. E, como o nosso foco não é unicamente a bilheteria, conseguimos manter a lotação em 49 lugares e ainda oferecer ingressos a preços populares — explica Daniela.
Correndo atrás
A Cinemateca Capitólio, ao contrário das salas comerciais, é um espaço público e, sem visar somente a bilheteria, pode oferecer aos seus frequentadores, por exemplo, títulos gaúchos que não encontram lugar nas salas de grandes redes, que estão focadas em blockbusters para conseguirem atrair um público maior, arrecadar mais e, consequentemente, cobrir os seus custos de operação.
De acordo com Difini Leite, as salas comerciais, desde a retomada, estão dedicadas a atrair o público mais jovem, preenchendo as suas programações com títulos como Velozes e Furiosos 9 e Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis que, segundo ele, foram grandes sucessos. E, além de produções chamativas, outro ponto que busca levar mais gente aos cinemas são os valores dos ingressos, os quais o presidente da Feneec garante que não sofreram alterações.
— Não teve reajuste no valor dos ingressos desde o começo da pandemia, não seguimos a inflação. Os exibidores nem têm motivos para aumentar os preços em um momento como esse, em que se precisa reconquistar o público. Desde 2019, são os mesmos preços — ressalta.
O presidente da Feneec, no entanto, reforça que é preocupante que os cinemas de Porto Alegre não estejam na lista de 17 segmentos ligados a cultura, entretenimento e lazer que terão desconto no Imposto Sobre Serviços (ISS) municipal, que vai baixar de 5% para 2%. Ele reforça que o setor pelo qual responde sofreu tanto quanto os demais beneficiados e reforça que segue brigando para ser incluído.
— Se não ocorrer, temo que essas notícias de fechamentos não vão terminar. E não é mais nem discurso, todos estão vendo, na prática, o fechamento contínuo de salas de cinema da cidade — pontua.
O futuro
Nos últimos dois meses, três cinemas de Porto Alegre fecharam as portas: o Guion Center, na Nova Olaria; o Espaço Itaú de Cinema, no Bourbon Country; e o Arcoplex, do Boulevard Assis Brasil — a rede também deve encerrar as suas operações, paralisadas desde março de 2020, no shopping João Pessoa. Destes, porém, dois deverão garantir continuações de suas histórias, mas com um elenco diferente.
O espaço que abrigava o Guion Center, que pertence à empresa Dallasanta, contará com um novo cinema. A definição de qual operadora assumirá o legado de exibir filmes na Cidade Baixa deverá acontecer nos próximos dias. E, além disso, o local será reformado para atender os clientes com maior conforto.
Já no Bourbon Country, um novo exibidor assumirá o ponto. A empresa, ainda sem nome e criada especificadamente para esta transação, será liderada por Adhemar Oliveira que, atualmente, é diretor de programação do Espaço Itaú. Houve um acordo de transferência de operação e, após a realização de obras, o que inclui troca de sistemas e identidade visual, o novo exibidor promete manter o mesmo estilo que consagrou o espaço, mesclando filmes comerciais com obras independentes europeias e brasileiras.
O presidente da Feneec e diretor do GNC Cinemas garante que as 18 salas de sua empresa seguirão abertas em Porto Alegre e, além disso, projetou a normalização financeira do setor:
— Nós acreditamos que, em 2022, a gente vai ter uma média de 20% ou 30% a menos do que em 2019. Os mesmos níveis de público, vamos obter em 2023. Mas sempre em um crescimento. E estou bastante otimista porque o cinema tem esse grande diferencial, de ser uma experiência indescritível. É algo que as pessoas realmente gostam de fazer.
Já a diretora da Cinemateca Capitólio projeta que, se os técnicos em saúde destacarem que é seguro, em 2022 o espaço poderá abrigar, novamente, 100% de sua capacidade e, mais do que isso, poderá receber os debates, as pré-estreias e os festivais que fazem do local especial para os cinéfilos da Capital.
— Para nós, no momento, o mais importante é que o espaço está aberto, com sessões acontecendo e, principalmente, que todos que estão frequentando estão se sentindo seguros — completa.