A despedida estava agendada para alguns dias depois, até que, por meio de um texto publicado no Facebook na noite de sexta-feira (3), o Guion Center comunicou ao público um final abrupto e agridoce como os dos tantos filmes cults exibidos no espaço desde 1995.
A decisão de que este sábado (4) seria o último de exibição de filmes levou ao cinema da Cidade Baixa, em Porto Alegre, uma romaria de cinéfilos saudosistas das memórias que viveram ali. Ainda que poucas pessoas ingressassem nas três salas de cinema, a tarde foi de cabeças grisalhas passeando algo tristonhas em meio a obras de arte, CDs, cartazes e outras recordações que estão à venda no local e seguirão nos próximos dias.
– Não tenho dúvida de que os filmes que assisti aqui fizeram com que eu me dedicasse às ciências sociais. Esse lugar é um pedaço da minha história – conta Fernando Araújo, morador do Jardim Botânico, de 31 anos.
O psicólogo de 31 anos lembra de duas sessões marcantes, a da versão remasterizada de Central do Brasil, exibida em 2018, em que trouxe a avó para acompanhá-lo, e a de A Guerra Está Declarada, drama francês de 2011 sobre um casal que luta contra a doença do filho. Nesta, ocorreu com Araújo aquilo de que os frequentadores dizem que sentirão mais falta: a sensação de sentir-se arrebatado por um filme desconhecido.
– Sou moradora do Bom Fim e o cinema ocupa um enorme espaço na minha vida. Isso que estou prestes a fazer agora: caminhar até em casa pensando em um filme, eu não sei como vou substituir. Hoje, eu vim para processar o luto – declara Márcia Menegat, 51.
Ela era uma espécie de "assinante" do Guion: comprava um pacote semestral de ingressos ilimitados, o último deles venceu em agosto de 2021. Para outros, a memória afetiva vai além dos filmes.
O casal José Miranda e Vanda Maraschin passou pelo local com a filha Clara Miranda, hoje adolescente, para se despedir do cinema e da fonte onde ela jogava moedas quando criança.
– Nós éramos tão apegados que nos mudamos para o Menino Deus, mas seguíamos fazendo supermercado aqui só passar pelo Nova Olaria e pelo Guion. Isso aqui, nos anos 2000, era como se fosse o coração da Cidade Baixa – conta Vanda.
Isabel Cristina Sperb vinha de mais longe. Se acostumou a dirigir de Novo Hamburgo – "onde só passa blockbuster dublado" – para frequentar o Guion. Saiu emocionada e prometendo voltar para garimpar mais um pouco em busca dos cartazes de seus filmes prediletos. Por ora, levou dois.
Embora cercado de obras originais de artistas como Xico Stockinger, Eduardo Vieira da Cunha e Carlos Carríon de Britto Velho, o local mais concorrido do saguão do cinema era um gaveteiro lotado de cartazes à venda por R$ 10 a R$ 15. Já com as salas de cinema desativadas, o local seguirá aberto nos próximos dias para a venda do acervo.
O casal Carlos e Aiko Schimidt, proprietários do cinema, não quis dar entrevistas para a reportagem de despedida. Na última sessão, Aiko pediu uma foto do público acenando para publicar nas redes sociais. Se disse emocionada e feliz porque encerraria com a maior parte dos assentos ocupados – havia 21 pessoas na última sessão.
Proposital ou grande ironia do destino, o último filme exibido no Guion foi o francês Edifício Gagarine, em que o protagonista tenta evitar que um conjunto habitacional popular em um subúrbio de Paris seja desocupado e demolido. Trata-se de uma ficção inspirada em um documentário feito com os moradores do prédio de verdade, que veio abaixo em 2019. O filme termina com uma declaração retirada do documentário que deve ter feito todo o sentido para os presentes:
– Eu sei que o Gagarine é apenas um prédio. Mas, quando eu penso nele, penso como se fosse uma pessoa.