Foram 26 anos de uma história que, diferentemente de muitos filmes exibidos por lá, não teve um final feliz. O Guion Center fechou as suas portas. Com isso, a comunidade cinéfila de Porto Alegre passa a contar com menos uma importante opção para assistir a produções mais artísticas que geralmente não encontram espaço em grandes redes de cinema, que priorizam blockbusters.
A última sessão foi realizada no sábado (4), com a exibição de Edifício Gagarine, para um público de 21 pessoas. GZH ouviu figuras da comunidade audiovisual para saber o que pensam sobre este fim.
O cineasta Zeca Brito, que teve o seu filme Legalidade (2019) exibido por várias semanas no Guion, disse que recebeu com "muita tristeza" a notícia do fechamento do cinema, que, de acordo com ele, sempre deu visibilidade para a produção gaúcha, garantindo estreias comerciais para os longas aqui produzidos.
— Foi um cinema comprometido com a cultura, sempre buscando trazer aquilo de maior qualidade artística, com maior reconhecimento e celebração dos grandes festivais. O Guion é uma espécie de ponte com festivais, como o de Cannes e o de Berlim, também trazendo programações especiais, como do cinema francês, entre outras ao longo de sua história —diz.
Para Zeca, o fim das operações das salas, que ficam no coração da Cidade Baixa, acende um sinal de alerta:
— Devemos refletir sobre o processo de gentrificação e de ascensão da especulação imobiliária em detrimento do apagamento das características culturais e comunitárias de um espaço de fruição social, de encontro, de interação e de relações. Esses locais vão se reduzindo cada vez mais e, para a Cidade Baixa, é uma perda tremenda. O Guion teve uma grande importância para a formação de plateias para o cinema brasileiro e, em especial, para o cinema gaúcho.
O secretário-geral e ex-presidente do Clube de Cinema de Porto Alegre, Paulo Casa Nova, afirmou que o proprietário do local, Carlos Schmidt, é um "excelente programador" e sempre teve um ótimo relacionamento com as distribuidoras, trazendo para Porto Alegre apostas certeiras, mesmo quando elas fracassavam no eixo Rio-São Paulo.
— O fechamento do Guion deixará uma deficiência para nós, cinéfilos. Com menos três salas, a situação fica mais apertada e, com certeza, toda a comunidade lamenta. A gente se machucou com esse encerramento — destaca Casa Nova.
Instrutor de informática, Leandro Machado era frequentador do espaço, que ele diz que foi "especial" na sua vida, desde a adolescência, quando ficou "fascinado por cinema". De acordo com ele, no Guion eram exibidas produções que não passavam em outros lugares. Porém, relembra que, quando deixou de ser estudante, a sua frequência no local diminuiu significativamente pelo valor dos ingressos.
— É uma pena, porque se fosse acessível eu iria sempre, veria quase todos os filmes que passam lá — explica Machado.
O instrutor de informática também relembra a polêmica política na qual Carlos Schmidt se envolveu em 2018, o que resultou em um boicote.
— Eu não concordo muito com o boicote, porque acho que os locais culturais precisam ser apoiados para continuarem existindo. Muitas ideias diferentes das do dono são transmitidas pelos filmes que são exibidos ali. A opinião dele é só a opinião dele — conta.
A socióloga Denise Kroeff conta que frequentava o espaço desde antes mesmo de ser o Guion, quando ainda era o Ponto de Cinema Sesc. O amor pelo cinema era tanto que, quando morou um tempo fora de Porto Alegre, fazia questão de ir ao local quando retornava para visitar a família.
— Porto Alegre perde. A curadoria e a qualidade de exibição eram ótimas, assim como o conforto das salas. Muito triste. Muito mesmo. Onde vou ver Godard ou Ozu com os pés em um pufe? — lamenta.