“O espaço, a fronteira final”. Provavelmente, os produtores de Velozes e Furiosos, assistindo a um episódio da série clássica de Star Trek, ao ouvirem a icônica frase presente na abertura do programa, pensaram: “Vamos atravessá-la. Porém, com um carro tunado”. E aconteceu, conforme os muitos memes que circulam há anos pela internet previam. Uma pena que o trailer estragou a surpresa e entregou a viagem sideral antes da estreia do filme.
E, infelizmente, Elon Musk, ao arremessar o seu Tesla para fora da Terra, acabou com a chance de dizer que a franquia cinematográfica bombada liderada por Vin Diesel, audaciosamente, chegou onde nenhum automóvel jamais esteve. Mas, mesmo perdendo a piada com referência às viagens do Capitão Kirk, não deixam de ser absurdos os rumos tomados pela saga. E isso não é necessariamente ruim.
Mais uma vez empacotado com o tema “família”, Velozes e Furiosos 9 começa apresentando um irmão de Dominic Toretto (Diesel), Jakob (John Cena), que jamais havia sido mencionado durante os outros oito filmes. Mas, entre tantas concessões feitas pelos fãs para seguirem imersos na frágil verossimilhança da franquia, esta não é, nem de longe, a mais difícil — os retornos de Letty (Michelle Rodriguez) e, agora, de Han (Sung Kang) do mundo dos mortos estão aí para provar.
O problema é que Jakob está jogando no lado dos vilões, colaborando como espião para uma organização que quer dominar o mundo e, para isso, precisa de um dispositivo supertecnológico — sim, este mesmo enredo já esteve presente na saga anteriormente, mas é o ponto do filme que menos importa, acredite. O pano de fundo é apenas o start para explodir com tudo e reunir o time dos mocinhos novamente, inclusive, trazendo de volta personagens que ficaram pelo caminho.
O roteiro de Velozes e Furiosos 9, escrito pelo novato na saga Daniel Casey e por Justin Lin, que também é diretor e velho conhecido da franquia, sendo responsável por cinco dos nove filmes — e, veja só, ele também comandou o filme Star Trek: Sem Fronteiras (2016) — sequer se preocupa em ter alguma coerência. Desde que a franquia abraçou o exagero e aprendeu a rir de si mesma, a trama principal consiste, basicamente, em ver até onde vai a criatividade da equipe que comanda a saga. E vai longe.
Correndo com a família
Neste novo passeio pelo mundo dos carros de 10 segundos (e foguetes, agora), para explicar a relação de Dom e Jakob, Justin Lin decidiu intercalar, entre as muitas explosões, diversos e longos flashbacks, contando para o público, depois de 20 anos — o primeiro Velozes e Furiosos é de 2001 — o passado do personagem de Vin Diesel e, consequentemente, de seu irmão esquecido. Tudo com muito drama familiar.
Esse esforço para tentar humanizar os personagens principais da saga, apesar dos muitos clichês, se faz cada vez mais necessário, uma vez que, a cada novo capítulo, os desafios que eles enfrentam se tornam mais mirabolantes e praticamente impossíveis. Inclusive, a questão é abordada no próprio filme, com Roman (Tyrese Gibson) suspeitando de que ele e seus amigos, na verdade, são mais que humanos, já que conseguem escapar de situações que pessoas comuns jamais conseguiriam. É de se pensar.
Dentro deste cenário, Vin Diesel e sua trupe rodam por vários países para caçar Jakob e atrapalhar os seus planos maléficos. E, como dizem, o destino não é o que importa, mas, sim, a viagem. E neste ponto Velozes e Furiosos 9 não decepciona. Em seus 145 minutos — o mais longo da saga, mas que não aparenta, pelo seu ritmo frenético —, o filme traz momentos grandiosos e que desafiam qualquer lógica, como Dom conseguindo pendurar o seu carro em um cabo e se balançar através das montanhas no melhor estilo Homem-Aranha. Apesar de bobo, tudo é feito com muito esmero, aliando efeitos especiais de primeira e um grande desempenho físico dos dublês e atores. Tem um nítido carinho pela saga no meio de tanta testosterona.
Por outro lado, as performances dos artistas no quesito interpretação não devem agradar àqueles que procuram por algo além de explosões e velocidade. Enquanto o elenco tem nomes consagrados e premiados, como Charlize Theron e Helen Mirren — que, por sinal, nitidamente se diverte horrores pilotando carros e aplicando golpes —, que conseguem se destacar, mesmo com o material raso que têm, o restante derrapa. Com frases curtas e que buscam serem impactantes, mas que dificilmente contam com uma conclusão, os atores e atrizes andam na corda bamba da vergonha alheia. Porém, ninguém ali tem pretensão de ganhar um Oscar. Não com este filme, pelo menos.
Apesar de seus diversos problemas básicos de roteiro e de desrespeitos à física, Velozes e Furiosos 9 entrega aos seus fãs uma continuação de sua escalada à megalomania e com uma trilha sonora empolgante — com direito a Anitta. O resultado é divertidíssimo para quem estiver aberto a abraçar o absurdo e dar boas risadas ao descobrir que não existe limite para o que é possível fazer com um carro.
Agora que a porteira para fora da Terra foi aberta, o que será que os últimos dois capítulos da saga entregarão? O único problema é que, no espaço, não dá pra ouvir o ronco dos motores...