Silvero Pereira decidiu radicalizar para ser entrevistado por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles e, horas antes do bate-papo, cortou o cabelão que caracterizava seu personagem na novela A Força do Querer. Com o cabelo curto na seleção para Bacurau, o ator surpreendeu Mendonça, que esperava o cabeludo que tinha visto nas fotos:
— Eu queria mostrar que poderia ser Lunga, que poderia fazer um personagem diferente. Após a conversa, Kleber disse: "Você tem cara de que pode matar alguém, te quero no filme" — conta Silvero.
Aos 37 anos, o ator ficou conhecido pelo papel de Nonato, na novela escrita por Glória Perez para a TV Globo em 2017. De dia, um motorista; à noite, se transformava na drag queen Elis Miranda. O papel foi escrito especialmente para ele por Perez, que viu uma de suas peças, BR-Trans.
Até a reunião que o levou ao filme Bacurau, a carreira artística de Silvero vinha sendo marcada por personagens LGBTs, importantes para o ator em sua militância.
O cangaceiro Lunga, a princípio, deveria ser transexual. Porém, no desenrolar do trabalho em conjunto entre diretores, roteiristas e o ator, decidiu-se que as questões de identidade de gênero e sexualidade do personagem não ganhariam o primeiro plano.
— Hoje, meu desafio na carreira é mostrar que posso realizar esses outros trabalhos, com perfis diferentes de personagens. Lunga me deu isso.
História
Silvero é cearense de Mombaça, cidade a 300 quilômetros de Fortaleza. Com 13 anos foi morar na capital, com uma tia, e aos 17 optou por estudar turismo, única opção de humanas que encontrou na escola técnica.
O teatro apareceu em sua vida ali, já que na aula de educação artística era preciso escolher uma atividade. Gostou, se formou em artes cênicas e chegou a dar aulas no Theatro José de Alencar, o principal da cidade. A criação de monólogos, como Uma Flor de Dama, e do coletivo As Travestidas foi o passo seguinte.
A relação com o estado natal é íntima. Separado há um ano, Silvero está montando um apartamento em Fortaleza, mesmo tendo em vista projetos para passar meses em Brasília, por exemplo.
Seus lugares preferidos na capital cearense são o Theatro José de Alencar, o centro cultural Dragão do Mar, onde vê peças e filmes, e a praça da Gentilândia.
— Já fui de badalar, hoje prefiro sentar, tomar uma cerveja e conversar — diz o ator, que recentemente afirmou usar aplicativos de namoro.
Na última terça (17), Silvero ganhou o título de cidadão de Fortaleza, concedido pela Câmara local. E não fugiu do combate ao discursar.
— Enquanto dissermos sim aos ataques aos direitos adquiridos, estaremos sendo coniventes. Sou neto de negro, indígena, meu pai era pedreiro, sou de escola pública, passei fome, sede, sou bicha, sou drag queen, sou artista. Por tudo isso sou Brasil — disse aos vereadores.
Em maio, Silvero usou um vestido para acompanhar a estreia mundial de Bacurau, no Festival de Cannes.
— Se aparecesse de pinguim, seria mais um. Queria que me vissem e que pesquisassem quem eu sou, para lerem o que eu falo e defendo — disse.
Silvershow
Na esteira do sucesso do filme, ele está tornando realidade o desejo de rodar o interior do Ceará com seus espetáculos. A ideia é simples: Silvero pega seu carro, põe dentro dois ou três de seus produtores e roda as cidades apresentando, neste momento, Uma Flor de Dama e SilverShow.
— O SilverShow era o talk show que fazia quando criança. Eu pego músicas que interpretei no Show dos Famosos (no Domingão do Faustão) e na novela e monto o repertório.
Na última semana, o espetáculo passou por seis cidades, incluindo Mombaça. Aproveitando que estava no lugar onde nasceu, Silvero levou seus pais, José Alves e Rita Invenção (Invenção é sobrenome, que hoje o ator brinca ter se arrependido de não usar profissionalmente) para ver Bacurau na cidade vizinha de Juazeiro do Norte. Foi a primeira vez que seu pai foi ao cinema:
— Ele normalmente dorme quando vê filme na TV. Dessa vez não pregou o olho. Minha mãe comentou o filme inteiro. No final, todos gostaram.