Avizinhado de edifícios como o Theatro São Pedro, a Catedral Metropolitana e o Palácio Piratini, o palacete que ocupa o número 72 do Largo João Amorim de Albuquerque, nas imediações da Praça da Matriz, pode até passar despercebido por quem transita naquele pedaço do centro de Porto Alegre. O prédio de 1927 pertenceu ao controverso Capitão Lulu, dono do icônico cabaré-cassino Clube dos Caçadores, e constitui-se como parte da história da cidade, mas é pouco conhecido por quem nela vive. Em uma disputa geográfica simbólica, é como se acabasse ofuscado pela imponência de seus vizinhos.
O cenário começou a mudar nesta quarta-feira (27), quando o palacete, que já abriga o Hotel Praça da Matriz, lançou-se também como Espaço Cultural HPM, acenando aos porto-alegrenses seu desejo de ser notado. Para isso, não poderia haver sinalizador melhor: a inauguração foi marcada por uma exposição do renomado artista plástico Britto Velho, 78 anos, conhecido justamente pelo uso audacioso das cores e das formas em suas obras de lampejo surrealista.
A mostra inclui 19 pinturas inéditas, todas coloridíssimas, e uma escultura em madeira construída por Britto Velho há cerca de 20 anos — e que há tempos não era exposta ao público. As obras poderão ser apreciadas de terça a sábado, entre 14h e 19h, até o dia 27 de abril, quando se encerra a exposição inaugural. A visitação é gratuita e recomenda-se que seja feita mediante agendamento pelo WhatsApp (51) 98595-5690.
Durante o período expositivo, nas quartas-feiras, sempre às 17h30min, o local também receberá rodas de conversa. Enquanto isso, o hotel segue funcionando normalmente. O estabelecimento já contava com forte ligação com a arte (cada um dos 24 quartos faz referência a um pintor gaúcho, por exemplo, sem falar do projeto arquitetônico assinado pelo alemão Alfred Haesler). Agora, o desejo é ampliar ainda mais o caráter artístico do local.
A proprietária Ilita Patrício expressa o desejo de ampliar também o escopo do espaço cultural ao longo dos próximos meses. Ainda não há uma programação definida, mas a exposição de Britto Velho simboliza a abertura das portas do palacete para as diversas manifestações artísticas, que poderão encontrar ali mais um abrigo na cidade. A ideia é usar as imediações do prédio para realizar eventos culturais diversos, de shows a lançamentos de livros e, claro, outras exposições.
— Não sou artista, mas sempre gostei de apreciar e acompanhar o trabalho artístico. Entendi que esta seria uma forma de disseminar a arte e contaminar também os hóspedes do hotel, que provavelmente não virão até aqui para ver obras de arte, mas poderão ser surpreendidos ao chegar no espaço e encontrar uma exposição ou um evento cultural — diz a proprietária, que divide a administração com outros familiares.
Ilita já flertava com a ideia de fundar um espaço cultural no prédio do hotel havia alguns anos, mas o projeto ainda não tinha saído do papel. O empurrãozinho que faltava veio durante uma conversa com o próprio Britto Velho, de quem é amiga de longa data. Na ocasião, o artista revelou que estudava convites para voltar a expor seus trabalhos, após cinco anos sem realizar uma exposição. Ilita entrou em ação no mesmo instante.
— Ela me disse: "Fica quieto, não procura ninguém, não estuda mais proposta nenhuma. Tu vais expor lá no hotel" — lembra Britto Velho, gargalhando. — Eu achei fantástico, pois estava querendo fugir da formalidade dos museus, queria fazer uma coisa diferente.
A conversa ocorreu no final do ano passado. Britto comprou tanto a ideia da amiga que mergulhou em um processo criativo frenético, como ele próprio define. Em cerca de dois meses, o artista criou 10 obras exclusivamente para a exposição. Considerando que cada obra leva cerca de uma semana de trabalho diário para ser concluída, podendo até demorar mais tempo, dá para dizer que ele suou a camisa.
— Fiquei impressionado comigo mesmo (risos). Mas é que realmente estava com saudade de expor. Passei os últimos cinco anos produzindo sem parar, todos os dias, mas só vendendo para colecionadores. Senti falta da troca de ideias que a exposição proporciona, de ouvir o público e entender a leitura que cada pessoa faz da minha obra. Isso é muito interessante — diz o artista, que se orgulha por carregar 50 mostras individuais no currículo.
Quando a reportagem visitou o espaço, na tarde de terça-feira (26), as obras ainda estavam sendo dispostas nas paredes do segundo andar do hotel. O artista estava lá, mas ficou só observando, pois prefere não intervir na montagem. Britto revela gostar de ser surpreendido pelo resultado final de suas exposições, pois entende que a disposição escolhida para as obras também revela a leitura de alguém sobre seu trabalho.
Entretanto, o artista está tão animado com a inauguração do espaço cultural da amiga que esteve mais do que envolvido na produção da mostra (coisa que diz nunca ter feito em toda a sua trajetória artística). Ele também ajudou Ilita a apresentar o prédio à reportagem e ficou animado ao projetar as inúmeras possibilidades que o local poderia ofertar às artes.
— Imagine uma peça de teatro sendo apresentada aqui — disse Britto a Ilita, apontando para uma sacada que dá no jardim interno do edifício, onde o público estaria assistindo.
O entusiasmo da dupla de amigos sela a inauguração do Espaço Cultural HPM, que começa a caminhar com passos tímidos, mas tem tudo para conquistar o coração dos porto-alegrenses.
Espaço Cultural HPM
- Exposição de Britto Velho em cartaz até 27 de abril, de terça a sábado, entre 14h e 19h
- Agendamento de visitas no WhatsApp (51) 98595-5690