Ilustrações com críticas ao governo federal e ao presidente Jair Bolsonaro motivaram, nesta semana, o cancelamento de uma exposição de desenhos de humor na Câmara Municipal de Porto Alegre. A mostra, que tinha como tema a Independência do país, ficou em cartaz por menos de 24 horas após a decisão da presidente da Casa, Mônica Leal (PP), que considerou o conteúdo ofensivo. Artistas e vereadores de oposição se queixam de censura.
A polêmica envolvendo mostras de arte ganhou corpo no Brasil a partir de 2017. Relembre os casos mais marcantes ocorridos no país, que culminaram na suspensão de exposições em museus ou ataques a artistas.
Queermuseu
A exposição mais comentada e menos vista de 2017 foi a Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, que chegou a ficar um mês aberta à visitação no Santander Cultural, em Porto Alegre.
Porém, no dia 10 de setembro de 2017, o museu decidiu não abrir as portas e divulgou uma nota anunciando a suspensão após grupos ligados ao Movimento Brasil Livre (MBL) classificarem a mostra como ofensiva, alegando que os trabalhos expostos incentivavam a "blasfêmia" no uso de símbolos católicos e promoviam a difusão de "pedofilia" e "zoofilia".
O cancelamento da mostra em Porto Alegre gerou uma reação em cadeia de protestos em todo país, tanto de grupos favoráveis como contrários. Prevista para também ser exposta no Rio de Janeiro, a Queermuseu acabou sendo barrada do Museu de Arte do Rio (MAR) pelo prefeito Marcelo Crivella. Na cidade carioca, a exposição chegou a abrir na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage e também causou reações.
Polêmica com artista nu
Dezoito dias depois do caso Queermuseu, a participação de uma criança em uma performance protagonizada por um homem nu deu início a nova polêmica sobre a liberdade artística. Fotos e vídeos registrados no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) durante o trabalho La Bête mostraram uma menina, que aparentava ter em torno de cinco anos, acompanhada da mãe, tocando os pés do coreógrafo Wagner Schwartz, que estava imóvel e deitado sobre o chão, sem roupas.
As imagens acabaram compartilhadas nas redes sociais junto com discursos de ódio. O artista e o museu foram acusados de pedofilia e o caso foi parar no Ministério Público de São Paulo, que decidiu arquivar o inquérito após um acordo junto ao MAM. A partir do fato, o museu se comprometeu a colocar em prática novas medidas de segurança para a apresentação de obras artísticas, entre elas a proibição do uso de celulares em locais que envolvam interação do público com artistas para proteger a imagem de crianças e adolescentes.
Classificação etária no Masp
A polêmica envolvendo a performance do artista Wagner Schwartz no MAM levou o Museu de Arte de São Paulo (Masp) a restringir a classificação etária para maiores de 18 anos da exposição Histórias da Sexualidade, em outubro de 2017. Essa foi a primeira vez em 70 anos que o museu vetou a presença de menores.
Grupos de artistas chegaram a se reunir em frente ao Masp um dia antes da abertura da exposição em protesto contra a censura e em apoio à mostra. Um mês depois, o museu voltou atrás e voltou a permitir a entrada na mostra de menores de 18 anos acompanhados dos pais.
Ataques a artista morto
Na onda de críticas à arte, também em outubro de 2017, a mostra Faça Você Mesmo Sua Capela Sistina, aberta no Palácio das Ares, em Belo Horizonte, foi alvo de ataques de grupos católicos e evangélicos. Isso porque o caráter iconoclasta de obras de Pedro Moraleida destacavam a dualidade entre sexto e religião, além de abordar líderes políticos como Fidel Castro e Abraham Lincoln. O artista, que morreu em 1999, foi acusado de promover a pedofilia e a blasfêmia por manifestantes.
Cancelamento e proibição em Caxias do Sul
Em novembro de 2018, a prefeitura de Caxias do Sul determinou a suspensão das visitações de escolas da rede municipal à Câmara de Vereadores da cidade por conta da exposição Santificados, que estava em cartaz no subsolo do prédio.
A mesma exposição já havia sido cancelada meses antes no Centro de Cultura Ordovás, mantido pela prefeitura da cidade da Serra. A mostra do artista caxiense Rafael Dambros trazia 20 trabalhos que envolviam nudez na releitura da imagem de santos da Igreja Católica.
A prefeitura alegou que as obras foram alvo de reclamações de pais de alunos devido à maneira como os personagens foram retratados pelo artista. O prefeito Daniel Guerra disse que o conteúdo era inadequado para crianças. Como nos outros casos, a suspensão da mostra levantou debates e discursos nas redes sociais.
Obras de artistas indígenas destruídas
Cerca de 30 trabalhos de artistas indígenas foram danificados após uma invasão na Mostra M’Bai de Artes Plásticas, em Embu das Artes, na Grande São Paulo. O caso ocorreu no dia 16 de julho deste ano, e o ato foi considerado uma ação contra os povos da região. No mesmo mês, outras obras artísticas da cidade foram vandalizadas ou furtadas. Os artistas indígenas também foram convidados a expor os trabalhos — inclusive os danificados — em uma galeria no centro de São Paulo.
Escultura retirada em Porto Alegre
Uma escultura da exposição BIO-I, do artista visual David Ceccon, foi removida no final de julho da Pinacoteca Aldo Locatelli, localizada no Paço Municipal, sob a alegação de que seria inadequada ao espaço. Com uma forma que remete a um pênis e a uma vagina, a obra foi retirada da mostra antes da inauguração por orientação da Coordenação de Artes Visuais da Secretaria de Cultura do município.
Inicialmente, quatro obras do artista David Ceccon seriam removidas, mas, após conversa entre artista e organização, apenas uma escultura foi retirada.
No lugar onde estaria localizada a escultura, restou um prego na parede. Na inauguração, houve um momento em que um visitante colou na parede um pequeno papel com a palavra "censurado".