O debate acirrado sobre a mostra Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, cancelada pelo Santander Cultural em Porto Alegre no ano passado, contou com a interferência de robôs que disseminaram informações na internet. É o que mostra uma pesquisa da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP FGV) que analisou 778 mil postagens no Twitter durante uma semana em que a exposição esteve em evidência nas redes sociais. A pesquisa foi mencionada no domingo à noite em reportagem do programa Fantástico, da Globo.
Os robôs são contas programadas por grupos na tentativa de reforçar uma ideologia na internet. Dos tuítes coletados pela pesquisa, 12,97% foram publicados ou compartilhados por essas contas na intenção de influenciar no boicote à exposição. Em menor proporção, também houve uso de robôs para defender a mostra: 7,16% das interações foram feitas ou distribuídas no intuito de preservar a exposição. O conteúdo das mensagens tanto pode ser falso quanto verdadeiro.
De acordo com o pesquisador Amaro Grassi, envolvido no estudo da FGV, os robôs são uma tecnologia relativamente fácil de acessar.
— O robô é usado para inflar um posicionamento político ou atacar adversários. São perfis fakes programados por um grupo para atacar o outro lado. Há uma lógica de guerrilha. Tecnicamente, não é complexo ter esses robôs — afirma Grassi.
Em um gráfico elaborado pelos pesquisadores, os grupos contra e a favor foram identificados como azul e vermelho, respectivamente. Segundo a pesquisa, o grupo vermelho, a favor da mostra, era mais difuso do que o azul, o que revela maior diversidade de argumentos e maior descentralização. No grupo azul, contrário à mostra, houve maior concentração de argumentos e também maior necessidade de uso de robôs para ampliar as informações. Os pontos verdes e rosas indicam a atividade de robôs.
Os 778 mil tuítes foram coletados entre a 0h de 8 de setembro e as 12h de 15 de setembro. A Queermuseu foi cancelada pelo Santander no dia 9, ganhando espaço na imprensa nacional e internacional e gerando ampla discussão sobre o conteúdo da obras e a questão da liberdade de expressão. O estudo demonstra que apenas a partir de 10 de setembro, de fato, o debate cresceu de forma exponencial na rede social.
Um estudo mais abrangente sobre o assunto pode ser conferido na página da DAPP FGV. Os dados referentes à mostra Queermuseu foram disponibilizados por ZH abaixo:
"A farsa acabou", diz curador da mostra
Para o curador da mostra Queermuseu, Gaudêncio Fidélis, a pesquisa indica que houve um ataque direcionado e organizado à exposição.
- Aquele grupo vermelho, que é favorável à exposição, revela uma diversidade de argumentos em favor da Queermuseu, enquanto o grupo azul revela uma unidade de argumentação. O que isso quer dizer? Que dizer que as pessoas, os posicionamentos a favor não são unificados, não vem de uma única fonte. Já o grupo azul vem de poucas fontes ou talvez de uma única fonte, em sua grande maioria – opina.
Conforme Gaudêncio, a maioria da sociedade brasileira estava em favor da exposição.
— Havia grupos que diziam que havia um clamor popular para que a exposição fosse fechada. O que essa pesquisa mostra? Que isso é uma farsa, nunca houve esse clamor popular, isso foi uma narrativa falsa. A pesquisa mostra que essa farsa acabou – afirma.
No final da tarde desta terça-feira, Gaudêncio divulgou uma nota sobre a pesquisa da FGV:
O levantamento realizado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/DAPP) sobre o uso de robôs para impulsionar os ataques à exposição Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, censurada e fechada pelo banco Santander em 10 de setembro de 2017, representa um marco reparador diante da mais extensa campanha difamatória já orquestrada na área de arte no Brasil.
Vale assinalar que o levantamento da FGV, baseado em 778 mil postagens no Twitter, desconstrói definitivamente a narrativa, proclamada por alguns segmentos responsáveis pelos ataques e pelo próprio Santander, de que teria havido um clamor popular contra a exposição que justificaria seu fechamento. O que a análise da pesquisa evidencia é absolutamente o contrário, derrubando uma das maiores farsas dessa narrativa.
O gráfico analítico da interação publicado pela FGV mostra que o contingente de pessoas favoráveis à exposição é aproximadamente 10 vezes maior do que as desfavoráveis. A interação de robôs dentro do campo de interações favoráveis é de 7,16% do total enquanto o uso de robôs no contingente de interações desfavoráveis é de 12,97%. Vale interpretar dois aspectos desses percentuais apontados pelo estudo: de que pelo levantamento feito pela FGV, em relação ao volume de interação de cada grupo (favoráveis e desfavoráveis) mostra que o uso de robôs em favor da exposição é infinitamente menor comparativamente ao volume de apoiadores, e o de robôs contra a exposição é praticamente da mesma escala se comparado ao todo de interações desfavoráveis. Isso mostra que de fato uma imensa maioria que se manifestou era a favor da exposição.
Um outro aspecto a ser observado é que segundo o mesmo levantamento, o grupo de apoio à Queermuseu apresenta “maior diversidade de argumentos” que o grupo contrario a ela, o que parece ser uma evidência de que no grupo contrario, onde se identifica uma imensa maioria de atividades de robôs, há um menor numero de fontes de emissão das interações, apontando para um ataque concatenado e planejado.
Finalmente vale salientar que o próprio título da pesquisa designa o que é caracterizado como “interferências ilegítimas no debate público”. Saliento ainda, como caracterizei desde o inicio desse processo, que os ataques à Queermuseu foram um processo de censura consumado pelo Santander a partir de ataques difamatórios perpetrados por grupos obscurantistas.