2018 trouxe a certeza de que as artes visuais enfrentam um momento perigoso. Após o polêmico fechamento da Queermuseu pelo Santander Cultural, em Porto Alegre, em 2017, o conservadorismo continuou a rondar as exposições. A reabertura da Queermuseu, no Rio, representou uma batalha vencida, ainda que manifestações encaradas pelos artistas como censura demonstrem que a discussão continua. Em outras searas, a comunidade artística ficou em polvorosa com duas ameaças que não se cumpriram: o fechamento de Inhotim e a mudança na cobrança de taxas pela armazenagem de obras de arte em aeroportos. No Rio Grande do Sul, a crise econômica continuou forçando instituições como a Fundação Iberê Camargo a adaptarem sua programação.
O incêndio no Museu Nacional foi uma tragédia sem precedentes para o Brasil, que ultrapassou em muito o âmbito das artes visuais, mas acendeu um alerta importante para a área: como estão os demais museus do país? Qual será o próximo acervo vitimado pelo descaso?
A esse quadro, unem-se novas livrarias e editoras, reconhecimento de autores independentes e mudanças na maior editora do Brasil. Ah, sim, também não teve Prêmio Nobel.
Batalha pela liberdade
A inauguração da exposição Queermuseu no Rio de Janeiro, um ano após ter sido fechada pelo Santander Cultural em Porto Alegre e logo depois vetada pelo prefeito Marcelo Crivella no Museu de Arte do Rio (MAR), foi considerada uma vitória monumental para a liberdade artística e de expressão. Público e artistas se uniram em apoio à mostra, que arrecadou mais de R$ 1 milhão via campanha de financiamento online e contou com o apoio de nomes do porte de Ney Matogrosso, que se apresentou em seu encerramento (foto).
Aproximadamente 40 mil pessoas visitaram a mostra, que ficou em cartaz por um mês na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage. Embora os protestos tenham sido discretos, a exposição não ficou livre de percalços: a Justiça chegou a proibir a entrada de menores de 14 anos na mostra, mas a medida foi derrubada. Ainda assim, proibições semelhantes despontaram pelo país, como na exposição Santificados, do artista caxiense Rafael Dambros. O prefeito Daniel Guerra (PRB) suspendeu a visitação de escolas à mostra, que ficou em cartaz até 30 de novembro na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul.
Em Porto Alegre, a pintura realizada por Rafael Augustaitiz no muro do Instituto Goethe amanheceu apagada e com a inscrição "ele ressuscitou" em 1° de maio. Um dia depois, o muro ganhou a frase "ai meu deuso". O Instituto Goethe, que relatou ter recebido ataques pela internet, repudiou os atos e reforçou que a mostra Pixo/Grafite – Realidades Paralelas permaneceria aberta.
Bienal da África
Entre abril e junho, cerca de 620 mil visitantes viram a 11ª Bienal do Mercosul, que contornou as dificuldades econômicas ao pular um ano (estava prevista para 2017). Com curadoria de Alfons Hug e o tema O Triângulo Atlântico, o evento focou nas conexões entre a América, a Europa e a África, distinguindo-se das outras bienais pelo enfoque na contribuição negra. Neste ano, também foram lançadas as bases para a próxima Bienal, que será realizada de 9 de abril a 5 de julho de 2020, terá o universo feminino como tema e curadoria da argentina Andrea Giunta.
A Fundação faz 10 anos
A crise foi tamanha que, por vezes, pareceu improvável, mas a Fundação Iberê Camargo (FIC) comemorou, em 2018, os 10 anos da sua sede, o icônico prédio branco projetado por Álvaro Siza, com palestras e exposições. Ao longo do ano, a programação dos finais de semana continuou diversificada, com discotecagem, sessões de cinema, oficinas e outras atividades gratuitas. Com a missão de popularizar ainda mais a instituição, Emilio Kalil foi anunciado como superintendente. Além de assegurar novos patrocinadores neste ano, em novembro, a Fundação arrecadou R$ 2,4 milhões com o leilão de 13 obras, em um evento com a presença do artista Vik Muniz.
Legado registrado em filme
O legado de dois grupos revolucionários para a arte gaúcha foi revisitado por dois documentários lançados neste ano. Grupo de Bagé contou a história do movimento artístico surgido nos anos 1940 e protagonizado por Danúbio Gonçalves (foto), Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti e Carlos Scliar. Zeca Brito, o diretor do longa-metragem, reuniu depoimentos de nomes como Néstor García Canclini, Nicolas Bourriaud e Cildo Meireles. Já o curta Nervo Óptico: Olhar Global na Solidão Local, de Karine Emerich e Hopi Chapman, fez um resgate do coletivo de artistas que atuou nos anos 1970 em Porto Alegre, relembrando o experimentalismo pioneiro do grupo.
Jovens em destaque
Embora tenha apresentado uma programação de artes visuais tímida em 2018, o Santander Cultural aproximou um dos mais importantes curadores do Brasil, Paulo Herkenhoff, de 12 nomes da arte contemporânea gaúcha que ganharam destaque na mostra RSXXI — Rio Grande do Sul Experimental: André Severo, Cristiano Lenhardt, Daniel Escobar, Laura Cattani e Munir Klamt (Ío), Isabel Ramil, Ismael Monticelli, Leandro Machado, Marina Camargo, Michel Zózimo, Rafael Pagatini, Romy Pocztaruk e Xadalu. Além desse grupo, o jovem David Ceccon (foto), que já havia recebido um Açorianos de artista revelação em 2016, foi o grande vencedor do 2º Prêmio Aliança Francesa de Arte Contemporânea. Já a incansável Andressa Cantergiani, além de inaugurar um novo espaço artístico, a Bronze Residência, mergulhou a Fundação Iberê Camargo em caos com a sua performance Avesso (em parceria com Maurício Ianês) e abalou a ordem do Museu Militar do Comando Militar do Sul, com a ação Combate.
Ai Weiwei em Porto Alegre
Porto Alegre recebeu um dos nomes de maior destaque da arte contemporânea, Ai Weiwei. Em sua palestra no Fronteiras do Pensamento, o artista chinês abriu uma janela para a realidade de quem viveu sob um regime autoritário na China e hoje luta pela liberdade de expressão e pelos direitos humanos em todo o mundo. Sempre midiático, o artista e ativista montou ateliês no Brasil e criou obras inspiradas na cultura brasileira, além de posicionar-se contra o então candidato a presidência Jair Bolsonaro.
Weiwei causou sensação também em São Paulo, onde inaugurou a maior exposição de sua carreira. Com curadoria de Marcello Dantas, Ai Wewei Raiz sensibilizou o público com obras como um bote inflável de 16 metros de comprimento que flutuou no lago do parque Ibirapuera - a instalação Law of the Journey, sobre o drama dos refugiados. A mostra, que segue em cartaz na Oca até 20 de janeiro, foi eleita a melhor exposição internacional do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).
Surpresa em leilão
Conhecido pelos grafites que fazem críticas políticas e sociais, Banksy foi notícia no mundo todo com uma pegadinha inédita: assim que o seu estêncil Menina com Balão foi vendido em um leilão da Sotheby's, em Londres, por cerca de R$ 5 milhões, um triturador de papel escondido na moldura do quadro começou a picotá-lo diante de uma plateia incrédula. A compradora ficou com a obra, que foi rebatizada de O Amor Está no Lixo, e passou a valer o dobro, segundo estimativas. No mesmo dia, outro evento significativo passou despercebido: a inglesa Jenny Saville tornou-se a mais valorizada artista mulher ainda viva: a pintura Propped foi vendida por quase R$ 50 milhões. Outro recorde importante em leilões foi atingido por David Hockney, em um leilão da Christie's em Nova York. A pintura Portrait of an Artist (Pool with Two Figures), de 1972, foi vendida por cerca de R$ 340 milhões, tornando-se a obra mais cara de um artista vivo. O recorde anterior pertencia a Balloon Dog, do americano Jeff Koons, vendida por R$ 210 milhões, em 2013.
Polêmica nos aeroportos
Concessionárias de aeroportos brasileiros causaram pânico entre agentes culturais ao alterar o critério de cobrança de armazenagem de obras de arte trazidas do Exterior. Em vez de aplicar uma taxa proporcional ao peso das obras, passaram a cobrar de acordo com o seu valor. A polêmica mudança levaria os custos de transporte de arte às nuvens, inviabilizando exposições internacionais. Após mais de seis meses do impasse, que prejudicou feiras de arte e exposições, o Conselho da Aviação Civil publicou em novembro uma resolução determinando que as cobranças deveriam voltar a obedecer ao critério anterior.
A força melancólica de Maristela
Terramarear, uma das melhores exposições do ano, resumiu a trajetória de Maristela Salvatori, trazendo à tona uma produção marcada pela experimentação constante com gravura e fotografia. Cerca de cem obras foram expostas nas principais galerias do Margs entre o final de dezembro e o início de março, dando uma amostra dos últimos 30 anos de carreira da artista e professora do Instituto de Artes da UFRGS (IA). A solidão marca as obras nas quais espaços como portos, cais e estações de trem são reduzidos a grandes planos e linhas arquitetônicas, muitos em preto e branco. A curadoria foi da jornalista e também professora do IA Paula Ramos.
Perdas
Apenas um dia após completar 68 anos, Mário Röhnelt (foto) morreu, em 16 de dezembro. O pintor e escultor pelotense foi um dos expoentes da fervilhante geração de artistas gaúchos que renovaram a arte nos anos 1970 e 80. Mesmo batalhando contra o agravamento de sua saúde, o artista continuou produzindo até o ano passado e era um dos grandes nomes das artes visuais no Estado. No plano nacional, uma perda especialmente grande foi a de Antonio Dias, um dos maiores nomes de sua geração, que morreu em agosto, aos 74 anos, após lutar contra o câncer por sete anos. No mês seguinte, o artista paraibano foi homenageado pelo MAM do Rio com a retrospectiva O Ilusionista. Fora do país, quem se despediu no final de novembro foi o escultor norte-americano Robert Morris, um dos fundadores e teóricos do minimalismo e da land art. A morte do artista, que tinha 87 anos, foi atribuída a uma pneumonia.