Em 6 de junho de 1958, o presidente Juscelino Kubitschek foi ao Museu Nacional celebrar os 140 anos do principal museu brasileiro. Meia dúzia de anos depois, iniciou-se o ciclo de decadência em que, sem investimentos e renovação, degradou-se o prédio e a instituição, até chegarmos ao colapso, neste domingo, 2/9/2018, quando este museu morreu e foi cremado; morreu de morte matada, e houve muitos cúmplices deste crime contra o patrimônio brasileiro.
Já bicentenário, o Museu Nacional tornou-se a sua própria urna funerária, depois de arder naquela pira em que sacrificamos valores preciosos. Mais que apurar onde e como acendeu-se o fogo, interessa saber como e por que nós brasileiros apagamos a chama do saber e de identidade representada no Museu Nacional.
O instituto deita raízes na coleção da Casa de História Natural, fundada em 1784, com coleções de perfil iluminista, que caracterizarão a longa evolução científica deste que se tornou, já no século 19, o principal museu de história natural sul-americano. Nestes mais de 200 anos, aquisições e pesquisas produziram uma coleção com mais de 20 milhões de itens, considerada a quinta maior do planeta. Aos acervos de mineralogia e zoologia, acrescentaram-se coleções de geologia, paleontologia e botânica, e, com o zelo de um imperador humanista, D. Pedro II, acervos de culturas antigas, que deram à coleção parâmetros dos grandes museus internacionais.
Na aurora da República, o Museu Nacional foi transferido para o Paço de São Cristóvão, residência da família real, o prédio que agora ardeu em chamas. As pesquisas prosseguiram, e produziram também acervos notáveis de antropologia e etnologia, com mapas, registros e representações das etnias e seus idiomas, em toda a formação do Brasil. Esta trajetória faria do Museu Nacional um instituto similar aos grandes Museus de História Natural do mundo, mas esta nação débil interrompeu o desenvolvimento, e agora tudo foi pro espaço, e jamais será recuperado.
Uma das falhas mais trágicas de nosso país é não articularmos a cultura de museus com a educação e o turismo. Esta conjunção é pivô do melhor ciclo de desenvolvimento para cidades e nações, e articula uma economia virtuosa e complexa, de grande desempenho no cenário contemporâneo. O Brasil dá as costas para seus patrimônios, deixa parques e museus viverem em fadiga, minguarem e morrerem, e o resultado disto podemos agora deixar escorrer entre os dedos, nas ruínas do Museu Nacional, alguns punhados de cinzas.
O descaso e a irresponsabilidade de todos os governantes que produziram esta tragédia é expressão de nosso fracasso como nação. Não queremos conhecer ao mundo em que vivemos e a nós próprios, nem lembrar, educar, encantar, ou congregar-se em torno dos nobres valores que os museus fomentam. Morto e cremado, o Museu Nacional tornou-se agora o símbolo trágico de nossa esquizofrenia política e cultural, a incapacidade de ser uma nação. Nas ruínas do Museu Nacional soa um réquiem pelo ocaso da nação brasileira.