O Santander Cultural inaugura nesta terça-feira (19/6) a mostra coletiva RSXXI – Rio Grande do Sul Experimental, que valoriza a arte contemporânea local. Um dos mais importantes curadores do Brasil, Paulo Herkenhoff selecionou 80 obras de 12 artistas, criando pequenas mostras individuais.
Nove meses após o fechamento da mostra Queermuseu, episódio sobre o qual o Santander pouco se manifestou, a exposição chega cercada de expectativas, retomando a programação de artes visuais da instituição, que até então havia recebido a 11ª Bienal do Mercosul. Ao invés de se reinventar, o Santander optou por resgatar sua história de apoio à arte gaúcha. RSXXI tem a mesma essência do projeto RS Contemporâneo, que convidou curadores de outros Estados a olharem para a produção regional.
– Nunca nos distanciamos dos artistas gaúchos. Nossa história ao longo dos nossos 16 anos sempre teve o intuito de fomentar e dar visibilidade à produção regional. Temos orgulho desta história e deste compromisso – afirmou, por e-mail, Paola Costa Sette, superintendente de cultura e patrocínio do Banco Santander.
O convite para a mostra apresentou um dilema aos artistas que discordaram da posição da instituição no episódio do ano passado. Embora afirme que fechar a Queermuseu tenha sido "inadmissível", Marina Camargo resolveu apostar na proposta da nova mostra:
– O trabalho de Paulo Herkenhoff é o melhor que o Santander poderia oferecer a Porto Alegre nesse momento, e espero que essa escolha seja de fato um desejo legítimo da instituição de retomar um diálogo com a comunidade artística e com o comprometimento com a arte, para além de crenças e dogmas.
– Tivemos sinceras dúvidas se nosso trabalho acabaria associado a uma polêmica a que ele não pertence. Por outro lado, acreditamos na importância de ocupar espaços de arte com projetos sérios e que dêem visibilidade a artistas locais – declarou a dupla Ío, formada pelos artistas Laura Cattani e Munir Klamt.
Herkenhoff, por sua vez, reconheceu que "uma ferida permanece aberta", mas também criticou o curador de Queermuseu, Gaudêncio Fidelis:
– Respeito o curador, mas foi intransigente. Era ingênuo? Talvez um agente provocador inconscientemente. Arriscou tudo... alheio. O centro do Santander quase fechou. Já vi grandes curadores, de Harald Szeeman a Jean-Hubert Martin, estabelecerem formas negociadas de exibir material polêmico.
RSXXI não é uma das exposições que o Santander Cultural se comprometeu a realizar junto ao Ministério Público Federal, enfatizando temas como intolerância e diversidade, sob a ótica dos direitos humanos. Elas serão apresentadas em agosto deste ano e em 2019.
Para realizar RSXXI, Herkenhoff fez um mergulho no cenário local. Em duas visitas a Porto Alegre, viu a produção de 50 criadores, dos quais destacou 12 para a mostra. Segundo ele, a arte gaúcha se destaca no Brasil apesar da "ausência de um mercado forte" e essa qualidade tem ligação estreita com o ensino:
– Se hoje eu tivesse que indicar uma escola que tem alto desempenho na boa formação dos artistas no Brasil, indicaria a UFRGS. Aliás, chamaria um extenso grupo de artistas de "Geração UFRGS" para indicar essa diferença gaúcha no contexto brasileiro.
Os nomes selecionados representam um grupo de jovens talentosos, frequentemente premiados e exibidos em Porto Alegre. Muitos são abertamente políticos: a ditadura é abordada por Romy Pocztaruk e Rafael Pagatini; o consumo é criticado por Daniel Escobar; o racismo é atacado por Leandro Machado; Isabel Ramil debate a questão dos gêneros; Xadalu dá visibilidade aos indígenas.
Marina Camargo cria uma cartografia particular para criticar a geopolítica global. Em Gravidade na Linha do Equador, divide um mapa-múndi para se posicionar contra a visão dominante dos países do hemisfério norte.
– O chão passa a ser a base desse mapa, que não tem mais hemisfério sul. Tudo o que se encontrava abaixo da linha do Equador é virado e posicionado junto com os continentes do hemisfério norte. Há um claro posicionamento político em relação a uma visão dominante dos países do hemisfério norte (seja o continente europeu ou da América do Norte), desde onde o sul do mundo é de algum modo silenciado ou esquecido – comenta Marina.
Sexualidade e violência transpiram dos objetos da dupla Ío – como o espéculo cravado na parede, em "Conjunção Adversativa" (2018), e os ameaçadores cães metálicos de "Qual o Nome de Meu Irmão" (2018) – enquanto Michel Zózimo é inspirado pelo conhecimento científico de antigamente, hoje defasado.
O maior trabalho da mostra é Vestígio (2018), de André Severo: quatro vídeos projetados em uma parede de 14 metros de comprimento. Eles animam fotografias feitas entre 1883 e 1887 – os famosos estudos de movimentos feitos por Eadweard Muybridge – de maneira que as 12 mulheres retratadas fazem uma espécie de "dança coletiva", como explica o autor:
– A instalação retrata pessoas isoladas, fora do tempo; cada uma se movendo em seu próprio ritmo e de sua própria maneira. Elas se movem em um espaço intermediário entre dois mundos, como se o que tivesse sobrado da existência delas, da passagem delas pelo mundo, fosse apenas o vestígio de um movimento remanescente, um espasmo existencial.
RSXXI – Rio Grande do Sul Experimental
- Curadoria de Paulo Herkenhoff.
- Abertura para convidados, terça-feira, das 19h às 21h.
- Grande hall do Santander Cultural (Rua Sete de Setembro, 1.028), fone (51) 3287-5.500.
- Visitação de 20 de junho até 29 de julho, de terça-feira a sábado, das 10h às 19h, e domingo, das 13h às 19h. Entrada franca.
- A exposição: coletiva com obras de 12 artistas contemporâneos que atuam no Estado: André Severo, Cristiano Lenhardt, Daniel Escobar, Laura Cattani e Munir Klamt (Ío), Isabel Ramil, Ismael Monticelli, Leandro Machado, Marina Camargo, Michel Zózimo, Rafael Pagatini, Romy Pocztaruk e Xadalu.