Fernando Baril acorda cedo, pinta das 9h às 12h, almoça e volta a pintar das 14h às 18h ou das 21h às 3h da manhã.
– Faço isso nos sete dias da semana – garante o artista porto-alegrense, acrescentando resolutamente: – Por puro prazer.
Para ele, a pintura é “necessidade vital”, e jamais lhe falta assunto:
– Estou sempre pintando com a televisão ligada, lendo livros e jornais, me informo para me abastecer e daí consigo pintar. Nunca tenho branco, não espero inspiração nem acredito nisso.
A rotina operária resulta em cerca de 30 quadros por mês. E a dedicação é compensada com uma façanha: viver apenas das obras, que vende com frequência.
Uma parte dessa produção estará à mostra em Baril’70, com inauguração nesta terça-feira à noite. Quase 200 obras, selecionadas pelo curador José Francisco Alves, poderão ser vistas nas pinacotecas do Margs. A maior exposição já feita pelo artista é também uma comemoração aos seus 70 anos, completados em 23 de maio.
Baril despontou como artista no início dos anos 1980, quando retornou de uma temporada em Madri, onde estudou pintura na conceituada Real Academia de Bellas Artes de San Fernando. Começou a expor e a lecionar, formando inúmeros pintores gaúchos, sem deixar de aprimorar sua própria técnica constantemente.
Esta exposição faz um breve panorama da sua trajetória, mas privilegia trabalhos recentes e inéditos, presentes em maior número. Seu percurso poético começa com telas abstratas em tons sóbrios e gradualmente incorpora figuras em quadros muito escuros para então desembocar no estilo pelo qual Baril é conhecido: pinturas figurativas, alegóricas e coloridas que comentam o cotidiano.
– Peguei uma pitada de cada movimento da arte moderna, surrealismo, realismo, impressionismo. Meus amigos dizem que sou pós-moderno – define.
A marca de Baril é uma visão crítica e bem-humorada – às vezes escrachada – do que vê no noticiário e na vida pessoal (sua e de amigos). As telas dos anos 1980 e 1990, maiores, retratam desde a queda do muro de Berlim até a moda do halterofilismo. Em uma delas, um homem que poderia estar num quadro de Velásquez veste uma máscara de gás.
– O Saddam Hussein ameaçou jogar uma bomba em Nova York. No dia seguinte, estavam vendendo máscaras na rua, e eu imaginei o que aconteceria com a arte nos museus – explica o artista, que na época vivia na cidade americana.
– É uma crônica dos absurdos da nossa sociedade – acrescenta o curador. – O Baril é contagiado pelo universo das imagens, das informações, é um artista pop.
“Queermuseu” colocou artista em evidência
Seus quadros parecem jogos que combinam figuras como uma Coca-Cola, O Laçador ou uma pasta de dente. Usados como símbolos de alienação, o fone de ouvido e o celular são especialmente recorrentes, como nas obras Nossa Sra. da Oi (2016) e Novo Deus (2012).
– Pinto o que o celular faz com as pessoas. Não é um protesto contra as tecnologias, mas é um alerta – comenta o artista, que nunca teve celular.
Um conjunto de 14 telas destoa da mostra: Baril vem pintando sobre a vida de sua afilhada de 11 anos, Eduarda, desde antes do seu nascimento – no mínimo um quadro por ano. Na tela de 2017, Baril registra um evento da sua própria vida com as palavras “agosto, dindo, queermuseu”. Uma obra sua estava no centro da polêmica sobre a exposição fechada pelo Santander Cultural: Cruzando Jesus Cristo com Shiva (1996), um Cristo crucificado com vários braços extras que seguram objetos. A pintura não está à mostra no Margs, mas participará da remontagem da Queermuseu no Parque Lage, no Rio de Janeiro.
– Depois dessa polêmica injusta, as pessoas voltaram a vê-lo sob outra ótica e observar trabalhos mais antigos – diz Alves.
BARIL’70 Anos
Fernando Baril
- Curadoria de José Francisco Alves
- Abertura terça-feira (26/6), às 19h
- Pinacotecas do MARGS (Praça da Alfândega, s/nº), Centro, Porto Alegre
- Visitação de terças a domingos, das 10h às 19h, de 27 de junho a 4 de setembro. Entrada franca.
- A exposição: mostra comemorativa dos 70 anos de Fernando Baril com quase 200 obras realizadas desde 1970 até 2018.