Instituições culturais do Rio Grande do Sul que planejam exposições internacionais estão atentas à polêmica envolvendo o aumento nas tarifas de armazenagem de objetos culturais vindos do Exterior – a exemplo de obras de arte e instrumentos musicais – praticadas pelas concessionárias dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Galeão.
Desde abril, agentes culturais criticam a decisão dos aeroportos de cobrar a tarifa de acordo com o valor de mercado das cargas, e não pelo peso, como vinha ocorrendo no país (e como é a prática internacional, segundo os agentes), o que inviabilizaria a realização de grandes exposições com obras internacionais. Segundo estimativa de Fernanda Feitosa, da SP-Arte, um dos eventos de artes visuais mais importantes do país, o incremento na taxa de armazenagem, de acordo com o novo entendimento dos aeroportos, pode chegar a 10.000%.
A polêmica envolve a interpretação de um termo presente no contrato de concessão dos aeroportos. O documento da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) prescreve a cobrança de tarifa de armazenagem de acordo com o peso para cargas destinadas a eventos "de natureza científica, esportiva, filantrópica ou cívico-cultural". Mas as concessionárias passaram a entender que eventos onde se comercializam obras de arte ou nos quais há cobrança de ingresso não se enquadram na categoria "cívico-cultural". Por meio de mandados de segurança, a SP-Arte, que ocorreu em abril, e o Masp, que realizará a exposição Histórias Afro-Atlânticas, asseguraram a cobrança das tarifas de acordo com o peso das cargas, mas a posição dos aeroportos gera insegurança no meio cultural.
É o que preocupa a Fundação Iberê Camargo (FIC), em Porto Alegre, que planeja para o ano que vem uma exposição internacional. Para o superintendente geral da FIC, Emilio Kalil, "estamos vivendo de novo uma época de obscurantismo":
– Toda e qualquer área do nosso governo parece desconhecer problemas passados. Já tivemos tarifas, impostos, proibições, todo tipo de empecilho para que se possa fazer da cultura algo mais natural, e não excepcional. No momento em que tudo voltar a ser uma excepcionalidade, isso vai traumatizar de tal forma o mercado que seremos prejudicados pelas negativas de fora (do país) na hora de propor exposições no Brasil.
Kalil projeta que as cargas da exposição internacional em planejamento na FIC, cujo tema ainda não foi divulgado, deverão desembarcar no Brasil pelo Aeroporto Salgado Filho. Consultada sobre seu entendimento a respeito da tarifa de armazenagem, a Fraport, empresa que administra o aeroporto porto-alegrense, informa por meio de sua assessoria: "A Concessionária irá cobrar a tarifa de acordo com as regras do contrato de concessão, que no caso em específico (evento cultural) será sobre o peso do bruto".
Por pouco a 11ª Bienal do Mercosul não foi enquadrada no novo entendimento de Guarulhos. As obras internacionais da megaexposição realizada entre 6 de abril e 3 de junho em Porto Alegre desembarcaram em fevereiro, apenas dois meses antes da polêmica vir à tona, pelos aeroportos de Guarulhos, em São Paulo, e Salgado Filho, na capital gaúcha. O presidente da Fundação Bienal do Mercosul, Gilberto Schwartsmann, critica:
– Em nosso país, já temos enormes dificuldades para viabilizar financiamento a eventos culturais. Gostaríamos que as autoridades fossem elementos facilitadores. Lutamos contra muitas dificuldades. Cada novidade no sentido de onerar, burocratizar ou criar obstáculos vem em desfavor da cultura e do país. Quanto mais dificuldades, menos pessoas se sentem incentivadas a investir nessa área.
O diretor artístico da Fundação Bienal, o artista André Severo, acrescenta que o novo entendimento sobre as tarifas de armazenagem, se estivesse em vigor no desembarque das cargas da 11ª Bienal, tornaria o orçamento do megaevento impraticável:
– Cerca de 70% das obras eram de artistas internacionais. Mesmo que muitos deles tenham vindo para criar aqui, outras obras foram importadas. Certamente inviabilizaria o projeto da 11ª Bienal porque ela foi pensada pela articulação internacional, inclusive o tema propunha isso.
Por meio de nota, a Anac declara que "não é atribuição da Anac interpretar o conceito da expressão 'cívico-cultural'" presente nos contratos de concessão. A agência afirma que "a tarifação das obras de arte em aeroportos é tema de política governamental, não cabendo à Anac, um órgão técnico por natureza, interferir no assunto, a não ser com prestação de assessoria aos órgãos de governo".
Uma reunião do ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, que apoia a demanda dos agentes culturais, com o ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Valter Casimiro, e o diretor-presidente da Anac, José Ricardo Botelho, em maio, resultou na ideia de criar uma comissão para propor regras mais claras para a cobrança de tarifas de armazenagem de obras e instrumentos musicais, regulamentando o conceito do termo "cívico-cultural". O jogo de empurra desagrada agentes culturais, que cobram uma posição mais firme e imediata do governo.
– Estamos falando dos três principais aeroportos do país, as principais portas de entrada – afirma Fernanda Feitosa, diretora-geral da SP-Arte. – Não há dúvida alguma (sobre o conceito de "cívico-cultural"). Todo evento cultural é, por definição, cívico.