Sentados lado a lado em uma sala de reuniões da Fundação Iberê Camargo (FIC), em Porto Alegre, o diretor-presidente da Fundação, Justo Werlang, e o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron, anunciaram nesta terça (27/2) a retomada de uma antiga parceria que havia sido interrompida durante 2017. Para a temporada de 2018, que marca uma década de existência do prédio projetado por Álvaro Siza, o museu porto-alegrense contará com R$ 400 mil do banco Itaú para exposições.
Os planos vão além do valor investido por meio da Lei Rouanet: o Itaú Cultural pretende voltar a contar com a FIC para capilarizar suas atividades pela Região Sul, como fez em exposições como Luz e Matéria, de Sergio Camargo (2016), e Filmes e Vídeos de Artistas na Coleção Itaú Cultural (2015). É um jogo de ganha-ganha: ao mesmo tempo, a Fundação poderá qualificar sua programação no ano em que pretende se recuperar de uma seca de financiamento. Werlang projeta para 2018 uma captação de no mínimo R$ 5 milhões. Em 2017, foram levantados R$ 3 milhões, dos quais R$ 650 vieram de recursos livres, ou seja, sem incentivo fiscal. Enquanto reafirma a importância dos patrocinadores, o diretor-presidente da FIC avalia como fundamental "estar junto com a comunidade":
– A instituição tem trabalhado muito com a solidariedade. Temos recebido convidados do Rio e de São Paulo que vêm para dar palestras ou participar de encontros e pagam suas passagens e estadia.
Saron, do Itaú Cultural, que esteve na Capital para participar do Fórum pelos Direitos Culturais, realizado em parte na FIC, acredita que o aporte é também uma forma de chancelar a crença nesse novo momento do museu:
– Estamos dizendo para a sociedade: "Estamos juntos (com a Fundação Iberê Camargo). Você estarão juntos também?".
Depois de uma severa crise que resultou na demissão de funcionários e na redução do horário de visitação para dois dias por semana (antes, eram seis), em agosto de 2016, a Fundação Iberê Camargo vem passando por uma fase de reposicionamento. Um estudo encomendado à consultoria Edelman Significa apontou que a instituição deveria se abrir para outras áreas da cultura e do conhecimento além das artes visuais com a intenção de dialogar com um público mais amplo. Em dezembro de 2016, Werlang assumiu a presidência da Fundação e, em março de 2017, Bernardo José de Souza foi anunciado como curador residente, já dentro da nova proposta. Um ano depois, Werlang avalia o movimento como positivo:
– A matriz de programação se demonstrou extremamente potente. Os resultados são evidentes pelo volume de público que jamais havia estado na instituição e passou a frequentá-la. Tivemos dias de seminários com sala lotada e 60% de público afro-descendente. Isso é uma mudança.
O Itaú não é o único patrocinador a embarcar no reposicionamento da FIC. Entre os maiores financiadores de 2018 estão também o Grupo GPS e a IBM. O Banrisul, que começou a investir na instituição em 2017, fará novo aporte pela Lei Rouanet neste ano para um andar expositivo, junto com Oleoplan e Agiplan. Até agora, a Fundação já fechou R$ 2,5 milhões em contratos para 2018.
Mesmo assim, este promete ser um ano de desafios. Saron, do Itaú Cultural, observa que o cenário recente no país é de estagnação do financiamento à cultura por meio de renúncia fiscal:
– Nos últimos 3 ou 4 anos, o valor anual total de captação da Lei Rouanet não mudou muito, girando em torno de R$ 1,2 bilhão. Mas nesses anos surgiram mais instituições culturais e outras se reorganizaram. Os recursos permaneceram os mesmos. Se você deflacioná-los, até diminuíram. Então, a demanda está maior, e o desafio de captar e empreender culturalmente ainda é mais complexo.
Que o diga a Fundação Iberê Camargo, ainda aberta para visitação apenas dois dias por semana, sábado e domingo (grupos agendados são recebidos de quartas a sextas). Werlang afirma que a instituição tem mantido a mesma média anual de visitantes dos anos anteriores, entre 70 mil e 75 mil pessoas, mas garante que voltar a abrir seis dias por semana é uma "determinação":
– Precisamos alcançar um número maior de patrocínios para garantir a abertura seis dias por semana. Isso significa um aporte de cerca de R$ 800 mil a mais do que o orçamento (anual) que teríamos abrindo dois dias por semana.
No dia 10 de março, a FIC abrirá a exposição coletiva Unânime Noite, com curadoria de Bernardo José de Souza. Serão cerca de 20 artistas cujas obras comporão um itinerário semelhante ao de capítulos de um romance. O Cabaret Unânime Noite será realizado aos fins de semana, com música, performance, cinema, leituras e drinques. Haverá seminários a exibição de filmes relacionados à mostra.