Em sua pior crise desde a abertura da sede que se tornou cartão postal de Porto Alegre, em 2008, a Fundação Iberê Camargo (FIC) demitiu nove funcionários nessa terça-feira (23/8), de um total de 45 colaboradores. Foram desligados profissionais em áreas como administração, gestão, produção, comunicação e projeto educativo. A instituição também anunciou uma redução drástica nos horários de visitação. O público, que antes podia frequentar o museu projetado por Álvaro Siza de terça a domingo, agora só poderá ir às sextas e aos sábados, das 13h às 18h. O café seguirá o mesmo regime de funcionamento. O último dia com o horário antigo será neste domingo (28/8).
– É uma crise mesmo – admite Fábio Coutinho, superintendente cultural da FIC. – A gente não pode fugir da realidade. O país está numa crise, o Estado está numa crise, o município está em crise. Estamos em crise na saúde, segurança, educação e transportes, não necessariamente nessa ordem. É muito difícil que a cultura não tivesse uma crise. E não somos só nós. Grandes instituições no Brasil estão fechando, demitindo, cortando, readequando programas porque, de fato, a situação é grave.
Leia mais:
Estrela da arte durante a Olimpíada, "Abaporu" pode ser vista no Rio até terça
Margs inaugura exposição individual da artista Claudia Hamerski
Artista alemão pinta mural no centro histórico de Porto Alegre
O número de demitidos representa uma parcela minoritária dos colaboradores, mas, justifica Coutinho, a redução no horário de visitação se deve à tentativa de economizar com serviços terceirizados, como segurança, limpeza e conservação:
– Isso vem sendo estudado há bastante tempo. Chegou o momento em que a Fundação não tem condições de se manter aberta por mais do que dois dias por semana. Nós retornaremos a grandes atividades, mas agora a situação é muito difícil. Quem não está por dentro (da realidade da instituição) não entende isso.
O superintendente desmente boatos de que a FIC possa fechar, mas não descarta uma interrupção temporária no atendimento:
– Foram feitos vários estudos. A Fundação não vai fechar. O que poderia ter acontecido, poderá acontecer e já aconteceu com instituições em todo o mundo é a interrupção de atendimento ao público.
Conforme Coutinho, os repasses de recursos de Vonpar, Gerdau, Itaú e Banco Votorantim, as quatro empresas mantenedoras da instituição (que investem na FIC por meio da Lei Rouanet, da LIC-RS e de maneira direta), sofreram uma redução de 40% em relação a 2014. À reportagem de ZH, o Itaú Cultural informou que injetou R$ 1 milhão anual em 2014 e 2015 e que, neste ano, o valor foi reduzido para R$ 750 mil, sempre por meio da Lei Rouanet. Já a Vonpar informou que aumentou seu repasse: de 2014 até este ano, foram R$ 600 mil anuais em investimentos diretos e em 2016 foram mais R$ 800 mil por meio da Lei Rouanet e da LIC-RS. A Gerdau informou que, neste ano, repassou R$ 1,2 milhão de recursos próprios, mas não revelou os números dos anos anteriores. E o Banco Votorantim informou, por meio de sua assessoria, que não divulga os valores de seus patrocínios.
Para se ter uma ideia da redução de recursos, apenas pela Lei Rouanet o plano anual de atividades da Fundação captou R$ 8,7 milhões em 2014, valor que caiu para R$ 2,1 milhões em 2015 e, até agora, R$ 2,2 milhões em 2016 (nesse montante, há dinheiro de outros incentivadores além das quatro empresas citadas).
Em 2015, em decorrência dessa redução, a instituição já havia interrompido projetos como a Bolsa Iberê Camargo (que levava artistas para residência fora do país) e o Ateliê de Gravura (que convidava artistas para produzir no local). A catalogação total da obra de Iberê foi descontinuada, mas Coutinho diz que a preservação do acervo sob guarda da FIC é "intocável".
Neste ano, a programação sofreu corte. Uma exposição sobre a história do Torreão, que foi um importante espaço para as artes na Capital, foi transferida para 2017. Em setembro, a FIC deverá encaminhar ao Ministério da Cultura a programação do ano que vem para autorização de captação via Lei Rouanet. As exposições serão divulgadas após a aprovação.
Desde o início de 2016, a agência Edelman Significa realiza uma avaliação para reposicionar a FIC em um novo modelo de financiamento e gestão. Foram feitas entrevistas com diferentes profissionais sobre aspectos da instituição. O trabalho será apresentado à Fundação na quarta-feira (31/8).
Embora viesse sendo anunciada, a crise na Fundação Iberê Camargo impactou o meio artístico.
– É uma grande lástima. Espero que isso possa ser algo transitório porque considero a Fundação Iberê Camargo um patrimônio inestimável da comunidade gaúcha na área cultural. É inestimável não só em termos de patrimônio do prédio, que é uma obra com valor arquitetônico importantíssimo, mas também por conta da coleção (de obras) e do trabalho magnífico que a Fundação desenvolveu ao longo de vários anos e pode continuar a desenvolver – afirma a presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte, Maria Amélia Bulhões.
Já a artista Karin Lambrecht, que participou de exposições na FIC, lamenta:
– Quando todos souberem (da crise na Fundação), acho que vai causar um impacto grande entre os artistas e o público. O fato de a Fundação fazer esse tipo de retirada é uma tristeza pelo espaço maravilhoso ao qual não poderemos mais ir todos os dias. Uma tristeza também virá do coração do Iberê, pois ele sabia lutar contra a adversidade.