Do médico Franklin Cunha, recebemos mensagem em que diz: “Na minha infância, nas décadas de 1930 e 1940, sempre ouvi falar (mal) do bandido Paco. Quando não me comportava bem, minha mãe e tias me ameaçavam ao dizer que iriam me entregar ao Paco. Ele era o terror de toda a região de colonização italiana, já que, inclusive, diziam que raptava crianças. Paco talvez ainda esteja vivo na memória dos mais velhos. No Google, há várias histórias e biografias do Paco. É provável que a mais detalhada e fiel seja a tese de Márcia Londero, graduada em Ciências Sociais pela UFRGS (1985), com mestrado em Sociologia (1997) e doutorado em Ciência Política (2015) pela mesma Universidade. Talvez ela, como descendente de antepassados italianos, deva ter ouvido as mesmas histórias que ouvi quando criança e, por isso, se interessou em escrever a história do bandido Paco. É uma bela e, ao mesmo tempo, terrível história do passado da colonização italiana no RS. Daria uma bela reportagem”.
Sugestão aceita. Aí está a matéria que apresenta, uma compacta biografia de Francisco Sanches Filho, ou Paco, o bandoleiro — ou “bandido social”, como prefere Márcia Londero —, um homem que aprontou para valer entre os anos de 1912 e 1931.
Paco nasceu na Colônia Dona Isabel, atual município de Bento Gonçalves, no ano de 1889. Filho de Francisco Sanches Collados e Antônia Buenazella Foan, espanhóis, residentes na Linha Brasil, 5ª seção da margem esquerda do Rio das Antas. Lá viveu com seus pais e mais quatro irmãos, na serra gaúcha, região, na época, ainda pouco povoada e com uma geografia composta de morros cobertos de mato. Terras estas que foram sendo vendidas aos colonos, principalmente italianos, a partir de 1875.
Podemos tomar como ponto de partida o ano de 1912, quando o futuro temido delinquente responde a seu primeiro processo criminal. Paco se casou com Maria Fachini, no dia 30 de janeiro de 1911, contra a vontade dos pais da moça. No ano seguinte, em determinado dia, teria aproveitado uma ocasião e, depois de um jogo de cartas, foi a um quarto da casa para furtar 400 mil réis em dinheiro de um baú do pai da sua jovem esposa. O caso acabou dando em quase nada: Paco alegou que o sogro o perseguia e o acusava injustamente porque nunca teria nutrido simpatia por ele. Foi absolvido.
Até 1920, viveu com seus pais, pois era o filho homem mais moço e, portanto, ajudava a cuidar das terras da família. Os pais de Paco eram agricultores e, dentre as poucas famílias de espanhóis que se instalaram naquela colônia de italianos, eram respeitados. Francisco Sanches Collados, dono de um lote colonial, era inclusive fabriqueiro (como eram chamados os imigrantes responsáveis pela construção e administração de capelas nas comunidades coloniais, algo que era motivo de destaque e prestígio entre a população local).
No ano de 1910, contavam-se apenas 44 espanhóis entre 3.789 italianos em Bento Gonçalves, e este número foi diminuindo com o passar dos anos. Apesar do prestígio, em meio aos colonos italianos, a família de Paco causava certa estranheza, pela maneira como se comportava, pela forma como se vestia e pela educação que possuía. Paco falava espanhol, italiano e português. À boca pequena, por exemplo, comentava-se que a própria esposa de Paco havia dito que seus sogros “dormiam nus, sempre nus, inverno e verão”. Isso já era motivo de espanto para uma comunidade católica.
Paco tinha fama de corajoso e brigão. Gostava de baralho — exímio jogador, aproveitava a ida dos colonos às bodegas para convidá-los a jogar a dinheiro. Em 1914, foi condenado a três meses de prisão por “crime de ferimentos leves”, numa briga em que se meteu. A pena teria sido parcialmente cumprida na própria delegacia, mas o preso, que gozava de certa liberdade para circular pela cadeia, teria fugido para a casa do irmão, no município de Guaporé, ou de sua irmã, nas vizinhanças de uma estação ferroviária. Paco acabou se reapresentando, levado pelo pai.
Por volta de 1920, vai morar com a esposa em Alfredo Chaves, atual município de Veranópolis, em um núcleo colonial chamado Nossa Senhora da Pompeia, linha Parreira Horta, 5ª seção da margem direita do Rio das Antas. Contavam, já naquela época, que Paco era senhor de três colônias e possuía muitas amantes e peões. Já era rico e não respeitava ninguém, nem mulheres casadas. Diziam que ele vivia com três mulheres simultaneamente, sendo casado com uma, amancebado com uma irmã desta e acusado (sem confirmação) de ter raptado uma menor em Nova Bassano. Comentava-se que viviam os três sob o mesmo teto e que dormiam juntos. A questão moral pesava entre os italianos, e isso desabonava Paco na sua relação com a comunidade.
Ainda em 1920, o delegado de Bento Gonçalves pediu ao de Alfredo Chaves que aplicasse um corretivo em Paco por, junto de “outros”, provocar e agredir trabalhadores da estrada de ferro.
Instruído (falava espanhol, italiano e português), Paco chega a contar com um dos melhores advogados da região: Antônio Taglliari Filho, formado na Itália, e que se empenhava na defesa de Paco. Mais tarde, esse mesmo causídico se voltaria contra seu antigo cliente.
Paco dizia não temer as autoridades. De fato, ele teve as costas quentes durante muito tempo, pois atuava como “fósforo” (apelido de cabo eleitoral) do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Em 25 de novembro de 1927, segundo o jornal Estado do Rio Grande, do Partido Libertador (oposição), Paco participava ativamente nas eleições para a intendência de Bento Gonçalves.
Já em janeiro de 1929, Paco vai atuar na cidade vizinha, Garibaldi, nas eleições para intendente. O pleito foi bastante tumultuado, não só em Garibaldi como em todos os municípios vizinhos. Paco, então, aparece entre os nomes das grandes autoridades políticas da região.
Certo dia, o advogado Antônio Taglliari, um dos líderes do Partido Libertador, afirma que foi atraído à janela de sua residência, altas horas da noite, por um grupo de “fósforos”(entre eles Paco), para que pudessem alvejá-lo. Não conseguiram, mas arrombaram a janela de seu escritório a bala. E tudo fica impune.
Morre o homem, fica a lenda
Na noite de 19 para 20 de março de 1929, Paco assalta a Casa Comercial Périco Irmãos, no município de Nova Roma. Apenas cinco dias depois, o subdelegado de polícia Domingos Caou declara que nada conseguiu apurar.
Em 8 de agosto, ocorre, em Bento Gonçalves, o assalto à loja A Independência, bem mais vultuoso. Parte do produto dos roubos foi encontrada, tempo depois, nas casas de cúmplices e de amantes de Paco.
Perseguido pela polícia, Paco aluga um táxi e tenta fugir para Sananduva. Interceptado, troca tiros com os policiais, matando o delegado Octacílio Vaz. Uma amante que estava com o gatuno sai ferida. Paco escapa e se esconde na casa de outra amante. Encontrado, parte para o confronto. Essa concubina também acaba ferida, mas ele novamente consegue fugir, dessa vez se escondendo em cavernas na região do Rio das Antas.
Paco fica sumido até o ano seguinte, quando ressurge, em uma bodega de Nova Pompeia, distrito de Bento, onde bebe uma cerveja. Para pagar a bebida, apresenta uma nota muito alta, para a qual o bolicheiro não tinha troco, ficando a despesa para o futuro. Ao sair do bar, encontra-se com um desafeto, João Nunes, que lhe cobra a promessa (feita por Paco) de uma surra. Após rápida discussão, Paco alveja Nunes usando a espingarda que portava, descarregando ainda os dois revólveres que trazia consigo. Nunes se defende também a bala. Terminada a munição, empenham-se os dois em luta corporal. Paco, então, usa uma faca, com a qual produz em Nunes, de modo bárbaro, oito ferimentos mortais. Depois, foge mais uma vez.
Esse foi o último crime cometido por Paco do qual se tem notícia. Após esse fato, ele fica escondido por quase um ano, talvez acreditando que seria esquecido. No ano de 1931, em 20 de fevereiro, as autoridades, sabendo que Paco estava novamente vivendo em casa, com esposa e filhos, convidam-no a participar de uma reunião na capela para discutir a permanência ou não de uma professora. Paco vai armado, como sempre. Ao sair, caminhando de volta para sua residência, ele é atingido por diversos tiros – foram mais de 200 disparos, segundo afirmaram alguns. Paco morre ali mesmo, na estrada. A notícia da sua morte desencadeia extensas matérias em quase todos os jornais da época, que contavam detalhes de sua vida e das suas aventuras.
Morria ali o homem, mas o mito permaneceria.
Fonte: “Paco: Um Bandido Social na Serra Gaúcha”(Editora da UFRGS, 2011), de Márcia Londero