Até a próxima sexta-feira, a professora Maria Marta Lobo de Araújo, de Portugal, estará ministrando o curso As Santas Casas da Misericórdia: Diálogos Entre o Passado e o Presente. As aulas abordam a história e a evolução das confrarias misericordiosas desde a sua criação. Informações: facebook.com/CentroHistoricoCultural-SantaCasaPortoAlegre.
As Santas Casas brasileiras têm origem portuguesa. Tudo começou no tempo das Grandes Navegações. Até os anos 1400, na Europa, cabia à Igreja os encargos sociais. Ela era o refúgio dos acometidos pelos males materiais e espirituais. Mas, com o crescimento da iniciativa laica da caridade, novos agentes assumiram esses encargos, como a realeza e alguns setores da emergente burguesia comercial. Os monarcas e segmentos da sociedade portuguesa passaram a cultivar uma consciência de solidariedade e de assistência social que resultou na criação de instituições empenhadas na prática da piedade e da filantropia. Inicialmente, foram instaladas as albergarias ou hospedarias, e até mesmo esmolarias reais, à beira das estradas na rota dos peregrinos. Sustentadas pela coroa, mosteiros ou ordens religiosas, muitas delas tinham espécies de hospitais anexos, os quais poderiam ser considerados sementes das futuras Santas Casas de Misericórdia.
A palavra misericórdia, de origem latina – miserere e cordis – significa doar seu coração a outrem. Em realidade, “dar amor aos carentes” passou a indicar o seu sentido, firmado na ideia da compaixão e piedade, que traduzem a caridade. Eis as finalidades da Santa Casa: piedade e misericórdia.
Em Portugal, esses encargos se solidificaram na prática do amor e solidariedade cristãos ao próximo, especialmente no atendimento aos carentes, sinalizando a criação da primeira Irmandade da Confraria de Nossa Senhora da Misericórdia. Sua patronesse foi a Rainha Leonor de Lencastre, viúva de D. João II, que era irmão de D. Manuel, “o Rei Venturoso”, que deu total apoio à ideia. Contou com a assessoria do seu confessor, Frei Miguel de Contreiras e de alguns irmãos leigos. Em 15 de agosto de 1498, a cerimônia ocorreu na Catedral da Sé, em Lisboa. De fato, a cidade se via assolada por enfermos, famintos, esfarrapados, órfãos e viúvas que vagavam pela rua. Este cenário moveu a “princesa perfeita” à criação da Santa Casa. Nessa altura, a coroa portuguesa estendia seu poder, ao Oriente e ao Ocidente, articulando o interesse comercial com a expansão das Misericórdias. Em alguns lugares, elas chegaram antes da estrutura administrativa portuguesa.
No Brasil, com a colonização, sem demora, a primeira Misericórdia foi criada e, com outras que vieram em seguida, sucessivamente, foram dando assistência aos povoadores que chegavam. Em nosso país, há duas correntes para definir a primeira instalada: seria a de Olinda (PE), em 1539 (que não se firmou na sua primeira criação), ou a de Santos (SP), em 1543.
A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre foi criada no aurorescer do século 19, dois anos depois de o Tratado de Tordesilhas ser definitivamente sepultado (1801), quando o território oeste brasileiro, antes do domínio espanhol, passou a pertencer a Portugal. Pode-se dizer, então, que com o Rio Grande do Sul finalmente português, a mais antiga Misericórdia, a da nossa Capital, dava seus primeiros passos.
Ao longo dos anos 1800, ela respondeu pelas responsabilidades herdadas da germinal Santa Casa portuguesa: dos pobres doentes, das crianças deixadas na sua roda, dos anciãos pobres, dos alienados mentais, da morte dos desvalidos, dos presos, dos militares, dos imigrantes europeus, recém-chegados, dos escravos; enfim, de todos os necessitados. Com a expansão populacional da Capital e do Estado, ela teve que transferir responsabilidades. Sobretudo, a partir do século 21, ela promove a saúde como um bem social. Este ano ela completa 216 anos de contínuo trabalho, cuja história é indissociável da história da nossa cidade, afinal, elas foram se fazendo juntas.
Colaboração de Véra Lucia Maciel Barroso, Historiadora do Centro Histórico-Cultural Santa Casa de Porto Alegre.