Entre os 497 municípios gaúchos, Novo Cabrais, na Região Central, desperta a curiosidade pela peculiaridade do nome, proferido muitas vezes com uma concordância que não existe, dando-se plural onde não tem. O significado é controverso, diz-se que é porque, por aquelas bandas, entre Cachoeira do Sul e Candelária, havia muitos rebanhos de cabras. Outros apostam que a designação tem a ver com a chegada da família desse sobrenome.Em 1960, quando o lugar ainda era distrito de Cachoeira do Sul, o médico militar Acido Witeck saiu pelas estradas para buscar um soldado em um dos municípios vizinhos. No caminho, topou com a área de uma propriedade rural à venda. Eram hectares de nada, sem pastagem decente nem terra com fertilidade.
O médico de Peritiba (SC) já era um admirador de plantas, folhagens e árvores e pensou que daquele chão aniquilado pela erosão e pisoteado pelo gado poderia fazer um lugar melhor para, quem sabe, produzir alguma cultura e criar animais. Comprou a terra em 1962. Era o começo, quase sem querer, do Parque Witeck, área de 70 hectares com mais de 2,5 mil árvores, arbustos e vegetação de forração que hoje é o principal ponto turístico de Novo Cabrais, cujo brasão oficial, inclusive, homenageia o espaço criado pelo militar catarinense, falecido em 2 de agosto de 2004. Witeck tinha o hábito de sempre trazer três mudas de cada espécie, uma maneira de ampliar as chances de vingarem na terra. Há espécies nativas e exóticas e representantes de pelo menos 25 países de cinco continentes.
– O pai costumava dizer que, através das plantas, a gente poderia viajar pelo mundo estando no mesmo lugar – conta o arquiteto e paisagista Henrique Witeck, 58 anos, um dos filhos do idealizador e administrador do local.
Acido Witeck levou para a área mudas de diversos lugares e ali também fez seu próprio viveiro, cuja prioridade há alguns anos se voltou às espécies nativas, como araucárias.
A principal trilha para conhecer o local tem três quilômetros, e a informação pode assustar na chegada, mas o trajeto é vencido sem dificuldades, porque conta com calçamento, bancos para pausas e contemplação, boa sinalização e acessibilidade em quase todo o percurso, salvo um ou outro trecho que, nos dias mais úmidos, pode ficar encharcado. A maioria dos exemplares de plantas está identificada pelo nome, algumas com o país de origem. O passeio é uma imersão na floresta particular de Witeck, uma aula de botânica ao ar livre. Se o olhar for atento, nos mínimos detalhes nota-se que, se há chance, a natureza renasce.
– Algumas (árvores) vão nascendo por conta, os passarinhos vão semeando. É tanta árvore que, às vezes, até me atrapalho nos nomes, e outras ainda não consegui gravar – diverte-se Antônio Vargas, um dos responsáveis pela manutenção do espaço.
O Parque Witeck também abriga uma diversidade de animais, não tão extraordinária quanto à de árvores, mas curiosa e encantadora para quem consegue perceber o que o verde não consegue camuflar. Há mais de cem espécies de pássaros catalogadas por biólogos, bandos de bugios quebram o silêncio da floresta e encontram proteção ali. Há dois grandes lagos artificiais ao longo da trilha, às margens dos quais se vê com facilidade gansos, jacarés, tatus e capivaras. Chegando mais perto, dá para observar peixes e lontras. É proibido pescar.
O visitante deve atentar para a beleza das teias que fazem pontes transparentes entre as folhas. Mais de 150 tipos de aranhas também já foram registradas pela bióloga e funcionária Regina Gressler Buss.
– Venha com olhos de ver, ouvidos de ouvir e coração de sentir – sugere Henrique Witeck.
Como em toda floresta, o ambiente está sempre se transformando. Henrique, aos poucos, prioriza exemplares da flora nativa para que o parque também tenha cada vez mais um papel ambiental importante. Um dos projetos já semeados é o do Bosque das Araucárias, em que pelo menos 110 mudas já foram plantadas (o objetivo é chegar a 300). Angicos, palmitos e jaboticabeiras também estão contemplados no plano de expansão.
Bosques temáticos
Semear uma floresta inteira não é um feito de mãos solitárias. Nem a disposição de Acido Witeck dispensaria ajuda. Assim, há alguns projetos no parque que pretendem incentivar não só a visitação, mas a própria contribuição do público à arborização da área.
Em bosques temáticos dentro do parque, as pessoas semeiam homenagens e demarcam datas especiais. Há três pontos para isso. No Bosque da Saudade, as mudas celebram as memórias de familiares que já morreram. As pessoas podem levar sua própria árvore ou requisitar ao parque uma muda, inclusive com orientações sobre como plantá-la. No Bosque da Amizade, plantar também aproxima os visitantes do projeto e, no Bosque da Vida, mulheres grávidas plantam uma árvore para celebrar a vinda dos filhos. Já são 644 mudas ali, muitas delas agora acompanhadas pelas crianças que nasceram.
– Meu pai sempre dizia que um dos gestos mais nobres de um homem é plantar uma árvore. E as pessoas podem fazer isso aqui – diz Henrique.
O Parque Witeck cultiva a proposta de ser um lugar de reflexão e contemplação da natureza. Além dos bosques temáticos, há espaços especiais ao longo da trilha principal. Os lagos recebem nomes especiais – Grande Espelho do Céu e Lago Mágico, ambos rodeados pelo arvoredo, com pinguelas que permitem fazer uma caminhada à margem. Nesses dois pontos, foram depositadas parte das cinzas de Witeck, cujo memorial fica pertinho dali.
No Recanto da Paz, há também os restos mortais do fundador e um painel que conta a história do “homem que plantava árvores”, escrito pelo cardiologista e amigo da família Eduardo Florence. Para levar adiante o sonho do pai, Henrique foi estudar Biologia para entender mais sobre a dinâmica das plantas e os cuidados específicos para cada espécie.
Os irmãos, de alguma forma, também seguiram os ensinamentos do pai, dedicando-se a profissões que têm a ver com a terra, como Agronomia e Engenharia Florestal.
Do jeito que está hoje, o Parque Witeck é ponto turístico de Novo Cabrais e também um espaço requisitado por fotógrafos da região. Por ali, ensaios de casamentos, aniversários e bodas tomam o cenário emprestado. Algumas festas já foram feitas no lugar. A ideia, segundo Henrique, é aprimorar essa vocação, reorganizando uma antiga capelinha da trilha, onde será formatado um templo ecumênico. No meio da floresta, uma casinha rústica, construída inicialmente para abrigar os funcionários, deve sediar um futuro museu para lembrar a paixão de Witeck. Henrique finaliza:
– O pai gostava muito das plantas. Ele costumava dizer que o esterco de galinha é o cheiro do chocolate das plantas. Isso era a vida dele.
Quem foi Acido Witeck
Acido Witeck nasceu em 1929 em Peritiba, cidade do Oeste Catarinense. Aos 18 anos foi servir, de forma voluntária, no Batalhão de Engenharia de Porto União, em seu Estado natal. Na época, só havia vaga para enfermeiro e foi por conta disso que surgiu o interesse dele pela área da saúde. Foi lá também que ele aprendeu a falar e escrever em português. Descendente de alemães, só conhecia o idioma das origens familiares.
No ano seguinte, prestou concurso nacional para a vaga única de sargento da área de saúde. Foi transferido para o Rio de Janeiro, onde cursou Medicina. Em 1960, já médico, Witeck foi transferido para Cachoeira do Sul, onde seguiu a profissão como clínico geral. Entre 1989 e 1993, foi prefeito de Cachoeira do Sul e, em 1993, elegeu-se vereador. Foi convidado a assumir como Secretário da Agricultura da cidade, cargo que exerceu até 1997.
O médico morreu em 2 de agosto de 2004, em decorrência de problemas da leptospirose e de um herpes zoster. Atendendo a um pedido dele, a família optou pela cremação. As cinzas foram colocadas no Parque Witeck, no Recanto da Paz, no Lago Mágico e no Grande Espelho do Céu. Em sua homenagem, foram colocadas três pedras no Recanto da Paz, devido ao hábito que tinha de sempre plantar três exemplares de cada espécie. As três pedras, com o tempo, formaram um coração.
Como chegar
– De Porto Alegre, siga pela BR-386, acesse a RS-287 em direção à Santa Cruz do Sul. Em Novo Cabrais, pegue a BR-153, em direção à Cachoeira do Sul. Da RS-287 até a entrada do parque são cerca de cinco quilômetros.
– O Parque Witeck está aberto à visitação nos finais de semana e feriados, das 9h às 18h. Durante a semana, é preciso fazer agendamento pelo fone (51) 998-807-701.
– Ingressos: R$ 10 (acima de 10 anos) e R$ 5 (de quatro a 10 anos). Crianças menores de 4 anos não pagam.
Outras informações em parquewiteck.com.br