Não há como não se encantar com a ideia de dar a volta ao mundo em um veleiro. Entre a admiração e a realização, porém, há um imenso abismo. Nem todos se sentem confortáveis em encarar uma aventura tão intensa no mar. Mas sempre há um meio-termo. Há, sim, como ter um gostinho inesquecível da sensação de velejar e, ao mesmo tempo, poder conhecer lugares turísticos, em uma embarcação segura e com ares retrô.
Basta admirar a imagem das 42 enormes velas do Royal Clipper, douradas pelo entardecer, para entender que a experiência precisa ser provada ao menos uma vez na vida. Trata-se do maior veleiro do mundo, com 134 metros de comprimento, que remonta ao passado inspirado no lendário Preussen, embarcação que enfeitou os mares em 1902.
O suntuoso veleiro é o maior da pequena frota da companhia Star Clippers, com capacidade para 227 passageiros, 57 a mais do que os outros dois que formam o trio romântico dessa armadora de viagens clássicas marítimas. A companhia oferece rotas em quase todos os mares onde é possível navegar com tranquilidade e de acordo com a temporada de primavera e verão dos dois hemisférios.
Agora, por exemplo, eles começam a ocupar o Mediterrâneo, onde navegarão entre ilhas gregas, espanholas e italianas, parando em algumas das cidades mais visitadas do velho continente. Em novembro, eles retornam para a tropicalidade do calor do Caribe, onde foi a minha aventura.
Minha aventura a bordo do Royal Clipper, o maior veleiro do mundo, teve como enredo a exploração de alguns cantinhos das chamadas Windward Islands, belezuras caribenhas como Santa Lúcia, Martinica, Antígua, Guadalupe e St. Kitts, além da icônica Barbados, ponto de partida e retorno de sete dias de navegação.
Na embarcação, não há luxo ostensivo, mas ótimo serviço ambientado em um cenário retrô, onde os poucos passageiros parecem compartilhar da sinergia em valorizar a singularidade de navegar em um barco exuberante. Não há espaço para a impessoalidade dos grandes cruzeiros. Todos, excitados em velejar, acabam interagindo em algum momento, seja nos jantares do salão central de um dos quatros decks, nas personalizadas aulas de ioga ou nos tours oferecidos em cada ilha aportada.
Aliás, é da terra que se tem a verdadeira convicção de que estar no Royal Clipper é uma viagem marcante. Por ser pequeno, ele consegue ancorar próximo aos píeres, atraindo curiosos locais em todas as ilhas. Ao saberem que você está a bordo, logo vinham sorrisos de admiração, seguido de uma frase carinhosa: “How lucky you are!” (“Que sorte a sua!”, do inglês).
Muitas vezes, o retorno ao Royal Clipper é feito no final do dia, quando o pôr do sol já começa a emoldurá-lo. Há um evento em que todos os passageiros são convidados a embarcar nos tenders para fotografá-lo de fora, em mágicos ângulos, com todas as velas içadas e douradas pelo astro rei. Não há como não brilhar o olhar.
Mas foi na imperdível e charmosa Iles des Saintes, parte de Guadalupe, que tive a sensação de conexão intensa com o megaveleiro, ao vê-lo do alto do Forte de Napoleão Bonaparte, soberano na cênica baia de água azul-profunda. Ele destoava em meio a alguns pequenos catamarãs e barcos de pescadores, soberbo e imponente, como um retrato do que deveria ser os tempos das incríveis caravelas. Saber que ele o esperava para zarpar rumo a um novo destino era confortador.
No verão europeu
De dezembro a abril, o Royal Clippers desfruta das águas tranquilas da América Central, cobrindo boa parte das ilhas, de São Vincent e Granadinas até a fascinante Cuba. Para o capitão Brunon, 35 anos cruzando os sete mares e desde 1995 no Star Clippers, a região caribenha é a mais sossegada para navegar no mundo.
– Os ventos aqui são estáveis, e as previsões, confiáveis, o que permite uma experiência autêntica do que é navegar com as velas fazendo todo o esforço – comenta.
Na rota da Windward, uma das mais surpreendentes paradas é mesmo a Isle de Saintes, em Guadalupe, um refúgio com alma de vila de pescadores, mas com o charme e a sofisticação de um território francês tropical. Outra região da França na lista de destaque é o sudoeste da Martinica, em um canto chamado de Les Anses d’Arlet, considerado o melhor local da ilha para mergulho, tanto de snorkel quanto autônomo.
Antígua é pérola de beleza rara no Pacífico. Foi poupada pelo furação Irma, ao contrário da vizinha Barbuda, severamente destruída. Um dos highlights de Antígua é a doca de Nelson, que, por seu valor histórico, tornou-se Patrimônio Mundial tombado pela Unesco. A vibração da ilha é de alto astral, e há impressionantes mirantes como o imperdível Shirley Heights.
Última parada, Barbados também merece ser desbravada. Vale um passeio entre as mansões do bairro St. James, onde lojas de marcas de grife dividem espaço com propriedades de diversas celebridades, como a da cantora Rihanna, filha da terra. Há ainda um dos mais impressionantes hotéis dessa parte do Caribe, o Sandy Lane, chancelado pela Leading Hotels of The World. Outro ponto obrigatório, já do lado do Atlântico, é a pequena The Crane, praia que já foi eleita como uma das top 10 na lista do site TripAdvisor.
Foi de Barbados que, no mês passado, o Royal Clipper içou suas velas, cruzando o Atlântico rumo à primavera e ao verão no Mediterrâneo, para atracar em outros fascinantes destinos como Marrocos, Portugal, costa da Espanha e Ilhas Baleares. Enquanto isso, os dois outros veleiros menores navegarão no Sudeste Asiático, nas águas mornas da Tailândia.
Majestosas, as 42 velas do Royal Clipper serão referências em todos os principais cantinhos da costa sul europeia. Não se acanhe se bater uma pequena inveja branca ao avistá-lo de alguma praia intocada ou de dentro de outras embarcações. Suas velas, escancaradas e douradas pelo sol, magnetiza e involuntariamente seduz mesmo aqueles que não se sentem confortáveis em navegar. Até os mais avessos sentirão que poucas terapias são tão profundas e eficazes como a de viajar ao sabor do vento.
Passando o título
Por alguns anos, o Royal Clipper reinou no Guinness Book como o maior veleiro do mundo, mas, em breve, ele terá de ceder sua coroa a um novo nobre. A Star Clippers anunciou que deverá lançar até abril do ano que vem o Flying Clippers, que passará a ser o detentor do título de rei das velas dos sete mares.
Quase pronto em um estaleiro na Croácia, a embarcação terá 150 cabines para 300 passageiros, além de acomodar mais 150 membros da tripulação. O gigante de velas terá 162 metros de comprimento por 18,5 de largura e foi inspirado como réplica do France II, de 1911, que ostentou o título de segundo maior navio mercante da época.
Serão cinco deques e uma estrutura mais luxuosa que os outros três barcos, incluindo uma piscina de fundo transparente. Ele também será capaz de cortar gelo, pois foi projetada para navegar em todos os oceanos, incluindo as áreas gélidas da Antártica e do Ártico, possíveis novas rotas da empresa sueca.
Entre as novidades para o verão europeu de 2019 também haverá uma jornada temática especial. Será a rota Mamma Mia, que levará os passageiros por ilhas gregas como Skiathos e Skopelos, onde foram gravados o filme-musical, inspirado nas músicas da banda Abba.
*O jornalista Carlos Marcondes roda o mundo convidado por escritórios de turismo de vários contos do planeta. Nesta viagem, teve o apoio da Star Clippers e do ministério de turismo de Barbados