O sonho de Adelson Carneiro Rodrigues, 61, de contornar o país dentro de seu caiaque oceânico está prestes a se realizar. A missão, que começou em 2020 no Oiapoque, no Amapá, está prevista para ser concluída em março, quando ele chegará ao Chuí, cidade gaúcha no extremo sul do Brasil. Neste sábado (4), com os "braços moles" ele chegou em Tramandaí, no Litoral Norte, onde foi recebido por integrantes da Marinha, veranistas e moradores.
A missão começou há três anos, em fevereiro de 2020. Pela costa, o canoísta vem descendo o país a bordo da "Expedição do Oiapoque ao Chuí", que Rodrigues realiza sozinho na maior parte do tempo. No último domingo, ele chegou ao RS pela Lagoa Itapeva, em Torres. Antes de Tramandaí, ele estava em Capão da Canoa.
Até agora, 7,4 mil quilômetros já foram percorridos, dos 8 mil km previstos no trajeto total. Para chegar ao Chuí, ainda falta passar por oito lagoas gaúchas, entre elas a dos Patos e a Mirim.
A ideia do percurso surgiu do carinho pela canoagem e depois de muita pesquisa sobre a atividade. Segundo Rodrigues, depois de correr 44 maratonas de triatlo, ele enjoou do esporte e foi buscar novos desafios. Fez escalada, mas se apaixonou mesmo pela canoagem, em 2003.
— Canoagem, barco e remo são coisas que estão gravadas na minha história. Minha família está ligada ao mar. Meu bisavô veio da ilha de Madeira, em Portugal, para trabalhar em São Francisco do Sul (SC) com barco de pesca. Meu pai e eu nascemos em ilhas. Essa viagem começou porque quis me aventurar, crescer, conhecer. Ao pesquisar sobre o trajeto, vi que duas pessoas já tinham tentado e não conseguiram. Mas elas saíram do Chuí para Oiapoque, eu estou fazendo o contrário.
Formado em Educação Física, o canoísta atuou até 2019 como personal trainer em academias de Indaiatuba, quando morava em São Paulo. Ele nasceu em uma ilha de Cananéia, no litoral paulista, e começou a praticar esportes aos 10 anos.
Quando iniciou o trajeto, Rodrigues já tinha no currículo cerca de mil milhas percorridas a remo, um total de dois mil quilômetros. Mesmo assim, viu que não sabia muita coisa:
— Foi quando comecei essa missão que descobri que eu não sabia remar. Uma coisa é você ir para uma lagoa e ficar algumas tardes. Outra é ir para um percurso valendo. Você enfrenta ondas enormes, vento forte, coisa que só se vê em alto mar mesmo. No início, foi muito desafiador. Lembro de quando passei por São João da Barra (RJ) e vi marolas se transformarem em ondas de mais de dois metros. Neste dia, acionei a ajuda e um barco da Marinha me retirou dali. Um tempo depois voltei ao mesmo ponto e voltei para a viagem.
Segundo o canoísta, foram cinco anos de preparação antes de cair na água, que incluiu pesquisa e estudo. Em 2019, por exemplo, ele esteve no Rio Grande do Sul para visitar Barra do Ribeiro e conhecer mais sobre as condições em lagoas. Além de traçar o percurso, ele também criou rotas de fuga - um botão acoplado no barco serve para casos de emergência. Depois, com o plano em mãos, vendeu moto e equipamentos esportivos e finalmente caiu na água com destino ao RS.
Prestes a completar a missão, ele se diz encantado com a costa brasileira e lamenta que a canoagem ainda tenha pouco incentivo no país:
— Nós temos lugares paradisíacos. Passei por Angra dos Reis (RJ), Barra de São Miguel (AL). A entrada de Santa Catarina e o trecho no começo do RS, em Torres, também são incríveis. É uma costa lindíssima, que muitos brasileiros não conhecem. Temos paraísos por aqui para difudir esse esporte, mas infelizmente o apoio de empresas ainda é muito raro.
O trajeto do canoísta deve ser retomado na terça-feira (7), com destino a Cidreira. Até lá, Rodrigues fará palestras em Tramandaí. Uma delas ocorre no Hotel Mares do Sul, às 18h de domingo (5). O evento é aberto ao público e gratuito.
Rotina em terra e mar
O dia a dia do educador físico se divide entre terra e mar. Rodrigues costuma iniciar a viagem por volta das 5h. No caiaque, que comporta até 50kg de carga, ele leva tudo que considera necessário, como água, alimentos, roupa e equipamento. O almoço é em alto mar, e o dia de remo costuma terminar no início da tarde.
São em média 40 km percorridos por dia, o que leva cerca de 7 horas remando - e justifica a sensação "braços moles" quando chega a terra firme.
Rodrigues conta que tem o apoio logístico da Marinha do Brasil por onde passa - tanto em situações de emergência no mar quanto de deslocamentos em terra. Em geral, ele se abriga em Organizações Militares (OM) da instituição, que tem alojamento e alimentação. É também a Marinha que o informa sobre condições do mar e climática. Em dias ruins, ele adia o recomeço da rota e permanece em terra firme.
Por vezes, fica em hotéis ou pousadas. Ele diz se sentir acolhido pelos locais que passou até agora:
— Quando dei início à expedição, percebi que muita gente começou a me apoiar. Sempre vou conseguindo algum lugar para ficar. Tanto as equipes da Marinha quanto prefeitura e moradores das cidades me acolhem muito bem. As pessoas incentivam. Ontem mesmo (sexta), estive em uma churrascada e também já provei o chimarrão. Além de descansar, as paradas servem também para conhecer os lugares, as pessoas.
Rodrigues já tem planos para quando completar a missão de chegar ao Chuí: quer lançar um livro, que já tem cerca de 600 páginas escritas:
— Quero contar as coisas que vi, o que conheci. Mas sei que esse desafio vai ser ainda mais difícil do que remar — brinca.
Em alguns trechos do caminho, o canoísta é acompanhado por amigos e outros atletas. Desde que chegou ao RS, na última semana, ele rema junto de Leonardo Esch, 51, que pratica canoagem há 30 anos e também atua como instrutor da prática. Foi por meio do esporte que os dois se conheceram, e agora Esch observa de perto o final da missão do amigo.
— É algo inédito o que ele está fazendo, ninguém concluiu esse trajeto. Não é qualquer pessoas que fica três anos no mar. Precisa estar preparado e também desapegado de muitas coisas. É difícil, há muitos desafios — comenta Esch.