Hit na segunda metade dos anos 1990 (na voz da cantora Renata Arruda) e tema de um comercial de guaraná, a canção com os versos “Se eu tivesse um canudinho” encontraria resistência hoje, principalmente entre os defensores do ambiente. Afinal, o chamado plástico efêmero é um dos maiores vilões de fauna e flora e ameaça, inclusive, a saúde humana. Na tentativa de frear o consumo maciço do material – só em 2015, foram produzidas mais de 400 milhões de toneladas de plástico no mundo –, crescem as iniciativas para banir seu uso desnecessário. Os canudinhos, que têm minutos de vida útil e podem levar séculos para se decompor, são os primeiros alvos.
Em todo o Estado, prefeituras vêm se mobilizando para proibi-los em estabelecimentos comerciais. No Litoral Norte, o pioneiro foi o município de Imbé. Desde 1º de dezembro de 2018, estão vetados o uso e fornecimento do produto em bares, restaurantes, lanchonetes, barracas de praias e por ambulantes. Quem desobedecer a norma está sujeito a advertência e até a pagamento de multa, que varia de R$ 500 a R$ 2 mil, mais cassação de alvará, em caso de reincidência. A fiscalização fica a cargo da Vigilância Sanitária.
Até agora, o projeto Imbé Sem Canudinhos “é um sucesso”, garante o assistente de fiscalização ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente Daniel Vogt Sant’Anna. Ele diz que não houve oposição por parte dos comerciantes, muito pelo contrário:
– Foi uma surpresa bem boa. Eles ficam encantados com a lei, nos parabenizam. Estão aderindo.
Responsável pelo setor de educação ambiental da pasta, Nélida Pereira admite:
– Achávamos que teríamos uma resistência maior.
Mas Ivone Ferraz, presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Litoral Norte do Rio Grande do Sul (SHRBS-LN), não vê com muita animação essa onda:
– Vai proibir canudo, mas e o resto? E o copo plástico, a garrafa, o guardanapo?
Para ela, a solução passa por mais fiscalização e por educação ambiental:
– Estamos em pleno século 21 e as pessoas ainda jogam lixo na rua.
Junto à lei, Imbé também incentiva a redução do uso do plástico por meio da campanha Nossa Onda É Preservar, que tem uma programação ao longo dos meses de janeiro e fevereiro de disseminação de conteúdo educativo à população sobre o problema do plástico. O quiosque Secret, que fica um pouco mais afastado do Centro, faz sua parte: placas indicam algumas espécies de animais que podem ser encontrados na região.
A ideia dos proprietários, Antônio José Bona Parlatto e Rafael Vasques, é proteger a natureza. Caipirinha só é servida em copos de vidro – na verdade, vidros de conserva reutilizados como copos. Depois da regra municipal, Parlatto e Vasques passaram a oferecer canudos biodegradáveis e pretendem vender o produto em inox, produzido por uma empresa de Osório.
– A gente é mais a favor do reutilizável. No início, pensamos em usá-los, mas estamos gostando desse biodegradável – diz Vasques.
Para eles, não foi problema acatar a nova decisão, mesmo que ela pese um pouco mais no bolso – segundo os empresários, os canudos biodegradáveis custam o triplo dos comuns.
– Tem gente que opta por nem usar. Aqui, muitos clientes já estão habituados a trazerem de casa o próprio copo, por exemplo – relata Parlatto.
Apoiador do projeto, o comerciante Pedro Oliva da Rosa, do Quiosque do Pedrão, garante que o público não rejeitou a novidade mais amiga da natureza e, inclusive, tem evitado usar canudos.
– Em razão do que tem se falado sobre os canudos, o público nem quer mais. O povo não está aceitando nem esse. A gente explica que é biodegradável e as pessoas respondem que não querem.
Refrigerantes, água e caipirinha são facilmente bebidos sem utilizar os canudos. Uma das poucas exceções para a necessidade do seu uso é a água de coco. Sorvendo o líquido no Quiosque do Pedrão, o vendedor Guilherme Goerl Cardoso desconhecia a nova regra de Imbé e sequer percebeu que seu canudo era do tipo biodegradável. Mesmo sem estar a par da discussão, ele aplaude a iniciativa:
– Ouvi falar pouco sobre os canudos, mas sei que causam danos para a natureza, pois os animais acabam comendo, principalmente as tartarugas. A gente acaba vendo alguns vídeos sobre isso.
Tramandaí e Torres na mesma batida
Na vizinha de Imbé, Tramandaí, também tramita na Câmara de Vereadores um projeto de lei para vetar o uso e o fornecimento dos canudinhos plásticos. Ainda que não tenha sido aprovado, a Secretaria do Meio Ambiente já proibiu o material na faixa de areia. Conforme o secretário do Meio Ambiente Fernando Campani, nenhum quiosque pode fornecer canudinhos:
– Um dos condicionamentos para obter o licenciamento dos quiosques é a proibição do canudo plástico, mesmo não tendo lei. Queremos coibir esse tipo de produção de resíduos.
Antes da temporada, todos os licenciados receberam treinamento e orientações para diminuir o fornecimento de materiais plásticos. Ao fim do veraneio, aqueles que reduzirem ou cessarem esse consumo e ainda implementarem outras ações de redução de danos ambientais serão premiados com o título de Protetor da Natureza.
Depois de aprovada a lei, a proibição deve se estender a todos os estabelecimentos, não somente os da beira da praia.
Torres teve sancionado um projeto para proibir o fornecimento de canudos plásticos a clientes de restaurantes, bares, quiosques, hotéis e outros estabelecimentos comerciais em setembro. A mudança, contudo, não será exigida tão cedo: a prefeitura deve começar a fiscalizar a partir de 2021, podendo aplicar de advertência a multa de quase R$ 10 mil e fechamento administrativo. A lei grafa que, em lugar dos canudos de plástico, poderão ser fornecidos canudos em papel reciclável, material comestível ou biodegradável, embalados individualmente em envelopes fechados, feitos do mesmo material.
Alexis Sanson, coordenador do Projeto Praia Limpa Torres, acredita que a aprovação dessas leis é um avanço. Em mutirão realizado em setembro na Praia da Guarita, em decorrência do Dia Mundial de Limpeza de Rios e Praias, voluntários recolheram 218 canudinhos. Ele espera que a lei incentive a comunidade a refletir, repensar e recusar a utilização dos canudos. Mas também acha que essa iniciativa não basta por si só.
– Precisamos reverter urgentemente o consumo de diversos itens derivados do plástico, antes que o impacto desses resíduos nos oceanos se torne irreversível – diz Sanson.