Quando o Vaticano editou a encíclica Laudato Si, em 2015, com uma série de recomendações sobre o ambiente, o empresário gaúcho Jaime Lorandi, um católico fervoroso, levou sua reclamação para o bispo de Caxias do Sul. Dom Alessandro Ruffinoni mandou Lorandi se queixar com o Papa, em Roma.
E lá foi o empresário, um ano depois, ao receber a garantia do chefe de gabinete do Santo Padre de que encontraria abertos os portões da Cúria Romana. Lorandi, dono de uma empresa que produz embalagens plásticas em Farroupilha e presidente do Sindicato da Indústria do Plástico na Serra, concorda com todos os 246 pontos da encíclica papal, exceto um:
– O de número 211, que recomenda que se “evite o plástico”. Isso está errado. É uma frase contraditória aos princípios do Papa.
No Vaticano, recebeu a resposta que Francisco apenas ouviria diretamente a queixa se o documento pedindo revisão de texto fosse assinado por outras organizações internacionais de diversas partes do mundo. Agora, o conteúdo está pronto e endossado pela indústria plástica de países de América Latina e Central, Estados Unidos e Europa.
O que vocês vão pedir ao Papa?
Parece até quixotesco, mas vamos informar que o conselho para “evitar o uso de plástico” é incoerente com os seus princípios e acreditamos que o melhor conselho para conter na encíclica é reduzir o consumo excessivo de todos os materiais e separar e destinar os resíduos para a reciclagem.
Vocês querem que ele mude o texto da encíclica?
Sim, que mude o texto mesmo porque daqui a 10, 15, 20 anos as encíclicas terão impacto muito grande na humanidade e sabemos que se estará consumindo mais plásticos e teremos menos pessoas pobres e famintas, beneficiadas com o material.
O senhor liga o plástico ao desenvolvimento?
Também ao plástico. Os países com maior índice de desenvolvimento humano têm maior expectativa de vida e consomem mais material desse tipo. Os de baixo índice têm expectativa de vida bem menor e consomem bem pouco. Há correlação direta de expectativa e qualidade de vida com o consumo do material. Por isso, os pobres irão consumi-lo mais. Obrigatoriamente, deverão fazer isso para ter mais qualidade de vida. Todos temos de ter educação para a destinação correta. No futuro, daqui a 10, 15, 20 anos, as pessoas vão consumir mais plásticos e vão ver a encíclica do Papa de 10, 15 anos atrás, que pede para evitar o uso do material. Então, pensamos que haverá incoerência no futuro, “poxa vida, esse Papa tão bom”, deu um conselho na época e hoje usamos mais plásticos.
Os países com maior índice de desenvolvimento humano têm maior expectativa de vida e consomem mais material desse tipo. Os de baixo índice têm expectativa de vida bem menor e consomem bem pouco.
JAIME LORANDI
Presidente do Sindicato da Indústria do Plástico na Serra
O plástico demora muito mais para se decompor. Isso não pesa na questão do ambiente?
Existem dois tipos de produtos que temos nos plásticos: os bens duráveis e os descartáveis. 60% dos artigos são duráveis, são aqueles que quanto mais duram, melhor. É o caso das tubulações hidráulicas nas nossas casas, o isolamento da energia elétrica e as peças de automóveis. Tudo isso, quanto mais dura, melhor. E tudo é reciclável. Por outro lado, 40% são descartáveis ou de mono-uso. Usamos uma vez só e depois perde a utilidade naquela forma, mas é reciclável. A questão é que temos na cabeça a palavra lixo e estamos atuando fortemente para tirar da nossa cultura essa palavra e fazer com que cada um entenda que não existe lixo. Tudo é transformado e pode ser matéria-prima para outros produtos.
O canudinho é o grande vilão. Foi proibido por lei no Rio e já se discute em outras cidade.
É injusto. É uma campanha pífia e insignificante.
Por quê?
Primeiramente, o canudo é muito bom para nós. Ele é muito mais acessível do que as outras matérias. O canudo, em média, pesa meio grama. O problema é a destinação errada do material, vai para lixos e mares. E aí um grupo de pesquisadores na Costa Rica capturou uma tartaruga e filmou a retirada do canudinho dela. Ela sangrava e tossia, foi algo bem emocionante. Os dados para justificar a proibição são fora da realidade, algumas instituições passaram a dizer que o canudo representa 4% do lixo no mundo.
É mentira?
É mentira total. O canudinho é reciclável, o caminho não é proibirmos aquilo que é bom para nós. O grande objetivo é nos educarmos, destinar os nossos resíduos de forma correta para a reciclagem. O plástico embala mais de 90% da nossa comida. Basta olhar nos supermercados, nas nossas geladeiras e nas prateleiras que a gente tem em casa. Hoje, o material conduz 100% da água potável que chega até as nossas residências. E conduz 100% dos resíduos que geramos nos nossos banheiros através de tubulações de plástico. O material é tão bom que está sendo até incorporado nos nossos corpos, por meio de próteses. Em automóveis, aviões e ônibus, a parte interna é toda de plástico. O artigo aumentou muito a nossa qualidade de vida. E as pessoas, através dessas divulgações de que o plástico é vilão, não conseguem enxergar os grandes benefícios que ele traz.
De onde vem o movimento contra o plástico?
O movimento contra o material teria de ser um movimento contra o descarte incorreto. Porém, como as pessoas enxergam muito plástico nos oceanos, e realmente existe, começam a combater a matéria, e não o ser humano. Então, a gente percebe que são pessoas que não têm visão real de conduta correta para educarmos o povo a destinarmos seus resíduos para a reciclagem. São pessoas que têm meia visão real do processo, e não inteira. A moda agora é combater o plástico. Na década passada, a moda era combater os transgênicos.
O senhor faz essa comparação?
É racional compararmos. Houve vilanização dos transgênicos e hoje continuamos a nos alimentar de transgênicos porque são muito bons no combate à fome e para a produtividade de alimentos. O plástico também é muito bom para a nossa qualidade de vida, mas é o vilão da moda. Temos de não transformar a matéria em vilã, e sim nosso comportamento de descarte errado.