A pequena Pacaraima (RR), de 12 mil habitantes, no extremo norte do país, foi sacudida na semana passada por um atrito entre moradores e imigrantes da vizinha Venezuela que terminou em protesto e depredações. De um ano para cá, a cidade tornou-se ponto de chegada de milhares de venezuelanos que fogem da miséria do país governado por Nicolás Maduro. Eles chegam caminhando e encontram em Pacaraima a esperança de refazer a vida no Brasil. O prefeito do município, Juliano Torquato dos Santos (PRB), alerta que a situação está ficando insustentável:
– Todos os gastos foram triplicados. Na rede de saúde, no ensino, já não consigo mais atender a minha população. O orçamento que tinha para quatro anos já está prestes a terminar.
Como é administrar um município com 12 mil habitantes que, de uma hora para outra, vem enfrentando esse grande fluxo migratório de venezuelanos?
Olha, não está fácil, e nunca esteve desde o início da gestão, em 2017, quando a imigração já era ostensiva. De lá para cá, o fluxo de venezuelanos tem aumentado muito. Passamos um primeiro ano de muita dificuldade, sem muito apoio do governo federal. Na realidade, não havia praticamente nenhum. E aí foi montada a operação (com apoio federal), no início de 2018, e tem tido alguns resultados positivos e muitos negativos.
Quais são os resultados negativos?
Havia expectativa de que iria ocorrer com mais agilidade a interiorização, os atendimentos, o acolhimento. Só que não pensávamos que a proporção ia aumentar tanto. Havia imigração, era mais voluntária: as pessoas vinham, mas sem muito conhecimento de que iam ser atendidas e documentadas e de que haveria interiorização. Quando o projeto começou mesmo a atuar, eles já vieram com outra expectativa e veio uma quantidade maior de pessoas.
Essas pessoas ficam quanto tempo na cidade?
Muitas vêm com destino definido, pela facilidade de entrar no Brasil por Roraima, que tem acesso a voos e destinos por terra. Acredito que 70% a 80% (dos migrantes) tenham destino certo e o restante, que não tem condições de sair, vem na esperança de conseguir algum benefício para seguir viagem. Como tem sido muito lenta a interiorização, eles permanecem por 30, 60, 90 dias, outros voltam. E fica nesse fluxo.
O senhor é favorável a fechar a fronteira?
Olha, não digo a questão do fechamento da fronteira, até porque Pacaraima tem um convívio econômico e financeiro com Santa Elena (de Uiarén, cidade venezuelana na fronteira com o Brasil) muito grande. Como eles não têm gêneros alimentícios, usam Pacaraima para se abastecer.
Em que condições eles chegam no Brasil ?
Difíceis. A maioria vem caminhando e chega sem recurso para nada. Vem na sorte, na esperança de conseguir algum apoio.
A maioria vem caminhando e chega sem recurso para nada. Vem na sorte, na esperança de conseguir algum apoio.
JULIANO TORQUATO DOS SANTOS
Prefeito de Pacaraima (RR)
Eles atravessam a fronteira para comprar em Pacaraima?
Sim. E o brasileiro também usa. Nosso posto de gasolina é do lado venezuelano. A energia elétrica vem da Venezuela.
Vocês não têm posto em Pacaraima?
Não. Usamos um posto internacional, que é gerenciado pelo Estado venezuelano.
A gasolina é mais barata do outro lado?
Sim. Há mais de dois anos, a gasolina é R$ 1,50 para os brasileiros. Temos essa cooperação. Mas a questão das cidades, Pacaraima e Santa Elena, não tem problema, nunca tivemos.
Como faz para receber essa quantidade de migrantes e administrar a tensão da cidade?
Na verdade, não temos condição de dar atendimento e qualidade diferenciada. Eles vêm na expectativa de conseguir emprego. Não estamos conseguindo nem para a nossa população, enquanto a dificuldade financeira aumenta. Acaba que eles vêm com esperança e são surpreendidos com essa situação, tendo de morar na rua mesmo e viver de doação.
Qual foi o real motivo dos protestos da semana passada?
Houve um assalto contra um comerciante muito conhecido. Não tem banco aqui e muitos trabalham com dinheiro em espécie. Quase ninguém trabalha com cartão. O que ele fatura num dia, leva para casa para pagar os fornecedores. Alguém deve ter visto o movimento do comércio dele _ pequeno, mas com valor significativo _ e soube que estava com esse recurso em casa. As pessoas adentraram (na moradia) e acho que, no momento de tentar descobrir onde estava o dinheiro, acabaram batendo nele.
Foram venezuelanos?
Tudo indica que sim. Ele diz que sim. Está há 15 anos na fronteira, morou e trabalhou na Venezuela há uns anos, conhece o idioma e a fisionomia. Disse que as pessoas (os assaltantes) não estavam encapuzadas e conversavam em espanhol.
Como classifica o que aconteceu depois disso?
Infelizmente, na mesma noite veio a óbito um dos moradores mais antigos do município. E nas redes sociais falaram do falecimento desse senhor e houve entendimento de que seria o comerciante. Mas ele, com a graça de Deus, já estava sendo atendido na manhã do sábado (dia 18). A "notícia" de que ele teria morrido foi o estopim do que aconteceu no sábado.
Foi boataria que gerou a manifestação?
Sim. Faleceu um cidadão pacaraimense no hospital, de causas naturais. Estava internado, é um senhor de idade. Aconteceu que faleceu esse senhor e, no momento, houve informação desencontrada.
Se hoje pudesse pedir algo para o governo federal, o que seria?
O que a gente vem reiterando desde o início de 2017 é apoio na reestruturação do município, de 12 mil habitantes. Em Santa Elena (no lado venezuelano), são 60 mil. Preciso que triplique ou quadruplique a estrutura para não deixar a população brasileira desassistida. Vai chegar o momento em que não vou conseguir atender nem o venezuelano, nem a minha população, que hoje é o principal.
Se nada for feito de forma imediata, o que pode acontecer com Pacaraima?
As previsões são para trabalhar quatro anos, mas já estou no meu limite, só consigo no máximo até outubro, novembro e dezembro, se Deus ajudar. O gasto foi triplicado. Com remédios, de R$ 18 mil a R$ 20 mil. Hoje, R$ 60 mil. O fluxo de caixa que tinha para trabalhar em quatro anos, tive de consumir em dois anos. Minha merenda escolar aumentou: tinha 1,6 mil alunos na rede, hoje são 2.030. Não recebi R$ 1 sobre essas 400 crianças a mais.