Na prefeitura de Dois Irmãos, município do Vale do Sinos com 90% da população descendente de alemães, a prefeita em segundo mandato Tânia Terezinha da Silva (PMDB) cumprimenta a todos, alguns chamando pelo primeiro nome, e completa com “alles gut?”. Moradores param para ver passar a mulher negra, de tranças até a cintura, que começou a carreira como técnica de enfermagem em postos de saúde – e depois disputou cargos públicos como uma espécie de estranha no ninho em meio a uma maioria absoluta de candidatos homens e brancos.
– A sorte chegou para mim quando eu estava trabalhando pesado – ela diz.
Como é ser prefeita no berço da colonização alemã?
Não sou adepta da vitimização. Quando tu chegas num novo local de trabalho, em outra cidade, tens de ter resiliência. Deves te adaptar ao meio – não é o meio que se adapta a ti. Isso é muito presente na minha vida. Cheguei nesta cidade e fui me adaptando a ela. Quando os eleitores votaram em mim, eles não votam na cor da minha pele ou por ser mulher. E isso eu discuto em todas as esferas. Acho que um candidato, quando se lança a qualquer cargo, não pode ser basear na cor ou no gênero, e sim naquilo que ele pode contribuir para a comunidade, nos projetos que tem. Nós precisamos saber, sim o que aconteceu no passado com os negros. E sempre lembrar isso. Mas não suporto excessos em torno de algumas causas.
A senhora pode dar um exemplo disso?
Posso te dizer que nunca sofri preconceito aqui. Sou negra numa cidade na qual se fala alemão, mas posso te dizer que sempre me senti totalmente à vontade. Pode acontecer de tu estares num supermercado e alguém furar a fila, ou numa loja e aí atenderem outra pessoa antes de ti. Mas isso acontece porque tu és negra? Acho que não. Tenho uma visão muito positiva de tudo. Nasci para ser feliz e, mesmo na política, não quero deixar inimigos. Podemos ter ideias diferentes e divergências, mas não inimigos. Então, essa coisa de se sentir vítima eu não suporto. Isso não faz parte da minha vida.
Como isso se reflete na prática?
A prefeitura fecha as contas do ano em dia. A cidade está organizada. Conseguimos aprovar a atualização da planta do IPTU que não era alterada há 20 anos. Teve polêmica, claro. Ainda temos o desafio de dar creche para todas as crianças. Tudo será feito com trabalho duro.
Uma coisa que dificulta a participação das mulheres (na vida política) é a carga doméstica. Meu exemplo: não consigo trabalhar enquanto não souber onde estão meus filhos.
Por que os partidos têm dificuldades em preencher vagas de candidatas mulheres?
Acontece muito de os partidos colocarem mulheres que não entendem nada de política só para preencher a reserva de 30%. Uma coisa que dificulta a participação das mulheres é a carga doméstica. Meu exemplo: não consigo trabalhar enquanto não souber onde estão os meus filhos, se estão na aula, no trabalho. São coisas inerentes à mãe, à mulher. Não tem como desvincular a mãe da política, independentemente de o homem ajudar ou não. Se meus filhos me ligarem agora, interrompo o que eu estiver fazendo para atendê-los. Outra coisa: somos julgadas pelas próprias mulheres. Um homem não nota se tu usas a mesma roupa dois ou três dias. A mulher, sim. Aí está um problema.
As propagandas partidárias têm ressaltado como nunca as mulheres.
O partido e a candidata que disserem “vote em mim porque sou mulher” estão querendo excluir os homens. Se quero atingir o eleitorado em geral, como é que eu vou falar só para um grupo?
Morando há mais de 20 anos em dois irmãos, a senhora adquiriu algum hábito dos descendentes de alemães?
Sou muito simples. Mas tem várias coisas que assimilei bem. Gosto de festas tipo kerb, de comida alemã e, é claro, chope. Meus parentes dizem que até um pouco de sotaque eu adquiri. Aprendi pouco mesmo, apenas algumas frases em alemão para poder saudar os moradores.