Wagner Moura começa a rodar ainda neste ano a cinebiografia do guerrilheiro e fundador da Aliança Libertadora Nacional (ALN) Carlos Marighella, um dos principais personagens da luta armada contra a ditadura militar brasileira, morto a tiros em 1969. O filme, que marca a estreia do ator na direção, é baseado no livro Marighella, o Guerrilheiro, de Mário Magalhães.
Magalhães, que acompanha de perto a adaptação, também trabalha em outro projeto de fôlego: a biografia de Carlos Lacerda, jornalista e político que sacudiu – e, assim como Marighella, incendiou – o país nas décadas de 1950 e 1960. Ele concedeu a seguinte entrevista por telefone.
Como você acha que o filme sobre Marighella será recebido neste momento de radicalização do debate político?
Minha convicção é que, gostando ou não do filme, amando ou odiando Carlos Marighella, o mais importante é o cinema contar a história de personagens como ele, que foram amaldiçoados. Houve um esforço para apagar Marighella da História do Brasil. É por isso que ele deve ter sua história contada. O mesmo vale para qualquer grande personagem, das mais diversas ideologias.
A História consolida Marighella como idealista ou terrorista?
Meu desafio foi contar a história dele oferecendo elementos para que cada leitor possa chegar às próprias conclusões. O que vai determinar se Marighella foi um idealista ou um terrorista é a convicção de cada um com base nos fatos. Não cabe ao biógrafo julgar o biografado. O livro tem como subtítulo O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo e enfatiza seus últimos anos de vida, quando ganhou projeção mundial, mas é preciso lembrar que a luta armada corresponde a apenas três anos da vida dele. Antes disso, Marighella foi líder estudantil contra o governo provisório de Getúlio Vargas e até deputado federal. Se eu tivesse feito um livro opinando ou julgando o personagem, teria fracassado.
Normalmente, os filmes não conseguem abranger todos os detalhes de um livro. O que não pode faltar no longa?
O filme foca no período pós-1964. Já foram feitos cinco documentários sobre Marighella. O Wagner vai fazer uma ficção, na qual o diretor tem liberdades, inclusive para criar outros personagens. Seu desafio é ir fundo na alma do personagem. O livro é de ação, o filme será de ação. Marighella era um baiano que nasceu para a ação.
O cantor Mano Brown, dos Racionais MC's, seria um bom nome para interpretar Marighella?
Sim. Ele tem uma relação com o personagem: em um documentário de 2011 sobre Marighella, a trilha sonora que fecha o filme é dos Racionais. E esse documentário virou matéria-prima para um clipe. Mas, se vai ser ele, isso eu não sei.
Wagner Moura já criticou a resistência do setor empresarial em patrocinar o filme. Isso foi superado?
Foram captados 60% dos recursos. Ou seja, grana curta. É um filme de ação, que não se passa dentro de quatro paredes. Não é um filme barato. A decisão do Wagner é terminá-lo de qualquer maneira, porque ter essa história contada é algo importante para o país.
Como está a biografia do Carlos Lacerda?
Há 20 anos coleciono dados sobre Lacerda. Sempre quis fazer essa biografia, mas, para isso, eu precisava ter muitas informações a revelar o que, no jargão jornalístico, chama-se "furo". Tive acesso a dados inéditos cerca de dois anos e meio atrás. Foi quando decidi escrever o livro.
Você pode dar um exemplo de dado inédito?
O episódio – que não vou chamar de atentado – da madrugada de 5 de agosto de 1954, na Rua Tonelero, quando foi morto o major Rubens Vaz: descobri documentos que mostram algo diferente da história oficial. A quantidade de material inédito que encontrei é monumental. Só nos EUA, em papéis originalmente secretos, encontrei mais de mil documentos. Há muita informação a mais sobre uma história que muitos achavam que já havia sido contada.
Por que a história de Lacerda ainda não teria sido contada?
Por conveniência de parte da esquerda e de parte da direita. Lacerda foi militante comunista. O fato de ter ido para a direita e se tornado o mais virulento anticomunista brasileiro fez com que houvesse um ressentimento da esquerda. Já a direita, que o adotou como líder, guarda constrangimento por ter liquidado com a carreira dele quando, em 1964, os próceres da ditadura tiraram o Lacerda do caminho para a presidência da República, com a qual ele sonhava. Ele morreu no ostracismo, em 1977, por culpa da direita.
Quando o livro será publicado?
O esforço é para que seja no ano que vem. Se eu vou conseguir ou não, ainda não sei (risos).