Num ponto de tráfico de Santa Maria, policiais apreendem um menino de 14 anos. Ele tem uma pistola 9mm pendurada na cintura, saquinhos com cocaína e um tijolo de maconha. Levado à Delegacia da Criança e do Adolescente, declara que não conhece o pai, tem outros quatro irmãos, não estuda há dois anos e, fora da escola, foi recrutado pelo tráfico por R$ 50 por dia. Casos assim chegam todos os dias às promotorias da Infância do Rio Grande do Sul. Não é para menos: há 10 milhões de crianças e adolescentes fora da escola no país. A procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, Élida Graziane Pinto, vê uma relação direta entre a falta de investimentos na educação básica e o descontrole na segurança pública. Ela é reconhecida como uma das maiores especialistas em controle de orçamento e gastos públicos do país.
Como os governos trataram a educação em 2017?
O governo federal não conseguiu avançar nada em relação à educação básica. Neste ano, continuou se omitindo de regulamentar o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQI), que traria algo em torno de R$ 60 bilhões adicionais para as redes públicas de ensino. O valor que a União aporta para a área é uma complementação mesquinha, insuficiente. O problema é muito grande. O país não está apenas produzindo a desigualdade ao deixar as crianças fora da escola, mas está, também, criando uma pressão enorme para o sistema prisional.
Onde está o principal problema?
Há 10 milhões de jovens fora da escola, sendo 7 milhões destes referentes à falta de vagas em creches. Ou seja, a maior parte do problema se dá de zero a três anos. É exatamente nessa idade que se dá um salto qualitativo no desenvolvimento da criança. E não adianta vir com o programa da Marcela Temer (primeira-dama que lidera o programa Criança Feliz). Você precisa dar estímulos intelectuais. A creche tem de ser bem-estruturada.
Mas o problema é de planejamento, de falta de gestão?
O problema é a opção do curto prazo, porque você não faz investimento na creche e recebe dividendos políticos por isso. Um dado assustador: o Brasil coloca três vezes mais dinheiro no Fundo de Financiamento Estudantil do Ensino Superior (Fies), para faculdades particulares de péssima qualidade, do que na complementação da União do Fundo da Educação Básica (Fundeb). Há quase R$ 40 bilhões no horizonte para pagar contratos com o Fies, e apenas R$ 13 bilhões para o Fundeb. Sabe por que essa diferença? Porque criança não vota. Os gestores preferem resultados num curto prazo e não pensam no futuro do país.
A senhora defende punição a esses gestores?
Vejo 2018 de forma nada otimista. O setor petrolífero obteve isenções fiscais bilionárias para os próximos anos. Uma parte desses recursos seria destinada à educação ou seja, o governo tira da educação e isenta empresas poderosas.
ÉLIDA GRAZIANE PINTO
Procuradora do MP de Contas
Sim. Eles têm de ser chamados a justificar porque destinam recursos para estudantes do Ensino Superior se, na base, o atendimento ainda não é universalizado. Essa é uma obrigação do município – o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu sobre isso.
A maioria das prefeituras e dos estados não paga o piso dos professores. isso influencia o desempenho da escola pública?
Como pensar em educação de qualidade com os professores ganhando tão mal? Outro dia li uma notícia assustadora: garçom e professor são os bicos mais demandados para os desempregados. Dados expostos indicam que até 75% dos professores atualmente na rede pública de educação são analfabetos funcionais. Esse sistema reproduz um círculo vicioso. A Finlândia só consegue ser o que é em termos de educação com um círculo virtuoso: os melhores egressos das escolas querem voltar a elas como professores. As inteligências mais destacadas retornam à rede pública para ensinar.
A senhora falou da união, mas qual é o papel dos governos estaduais?
Os Estados, praticamente sem exceção, dão pedaladas ao computar gastos que não são de educação como investimento na área. Gastos com inativos não é investimento em educação. São Paulo é um bom exemplo: no ano passado, foram gastos R$ 6 bilhões com previdência que foram considerados como gastos de educação. É uma fraude que já está em análise pelo STF. O cenário é o seguinte: há uma guerra fiscal com o dinheiro da educação brasileira. A União não investe o que deve, e os Estados fraudam o cômputo mínimo em educação. O Rio Grande do Sul e a maioria dos Estados fazem isso.
A senhora vislumbra alguma medida que possa melhorar a educação pública no país em 2018?
Vejo de forma nada otimista. O setor petrolífero obteve isenções fiscais bilionárias para os próximos anos. Uma parte desses recursos seria destinada à educação. Ou seja, o governo tira da educação e isenta empresas poderosas da indústria do petróleo. Países com melhores resultados em educação conseguiram até mensurar o que chamamos de multiplicador fiscal: o montante investido em cada estudante volta um vez e meia como resultado.