Há cerca de três anos, quando as investigações da Lava-Jato engatinhavam, o juiz tocantinense Márlon Reis lançou O Nobre Deputado, livro que expõe de forma didática a atuação de políticos corruptos brasileiros. Na época, Reis foi duramente criticado por parlamentares insatisfeitos com as revelações sobre o nível de contaminação do sistema político do país. Mas o avanço da operação consagrou a tese do juiz, que é um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa.
– E ainda há muito a ser descoberto na política brasileira – ele diz.
Márlon deixou a magistratura no ano passado, depois de quase duas décadas de atividade no Judiciário do Maranhão, para se dedicar ao direito eleitoral em Brasília.
As práticas políticas que o senhor descreve no livro ficaram mais evidentes com a Lava-Jato. O senhor já conseguia antever tudo que seria desmascarado?
Utilizei metodologia de pesquisa científica para compor esse livro, que faz parte da minha tese de doutorado – não é literatura nem jogo de adivinhação. Foi uma pesquisa aplicada para desvendar as práticas de bastidores da política no sentido de conseguir mandatos eletivos usando meios ilícitos. Eu já apontava para a conexão entre tribunais de contas e eleições, depois confirmada com a investigação de conselheiros dos TCEs do Rio de Janeiro e do Mato Grosso. Além, é claro, das doações empresariais, que são usadas como forma de chantagem – o que hoje está no centro da Lava-Jato.
Como o senhor avalia o momento político do país?
Estamos numa fase de transição. O quadro atual na política brasileira revela total ausência de líderes. O presidente da República não pode ser considerado uma referência; ele apenas exerce temporariamente o mandato de maneira destituída de legitimidade. Não falo a legitimidade constitucional. Falo da ausência de sintonia mínima com a sociedade. Creio que as eleições de 2018 podem proporcionar o começo de uma mudança definitiva desse quadro.
O quadro atual na política brasileira revela total ausência de líderes. O presidente da República apenas exerce temporariamente o mandato de maneira destituída de legitimidade.
A reforma política naufragou?
Nós precisamos de uma reforma, mas não da que está sendo discutida no Congresso. Essa ideia de "distritão" e de um fundo bilionário para financiar campanhas, olha, é melhor mantermos o que temos hoje.
Que interesse o senhor vê por trás dessa reforma?
Se aprovada, ela geraria quase que automaticamente a reeleição dos parlamentares. Essa reforma é um plano para beneficiar quem já está no Congresso e teme pelo seu mandato.
Mesmo que os escândalos se repitam, o povo está longe das ruas. Por quê?
Movimentos de reação ao poder não conseguem se manter fortes por muito tempo. A falta de reação nas ruas se deve a dois fatores: não há grupos partidários legitimados e com força suficiente para suscitar isso e não há conexão entre segmentos sociais para se mobilizar de forma mais espontânea, como aconteceu em 2013. Mas isso não significa que a sociedade está satisfeita. Falei isso em outro livro O Gigante Acordado, de 2013: aquela indignação apresentada ali poderia perdurar e se aprofundar. E isso de fato está acontecendo.
Em 2018, a resposta aos movimentos tradicionais pode ser traduzida num "voto diferente". Vejo os políticos apavorados, com medo do quão grande pode ser a mudança.
O que se pode esperar daqui para frente?
Acredito na ruptura. Não a ruptura institucional, mas com movimentos tradicionais. É por isso que os parlamentares tentam a reforma política. Em 2018, a resposta aos movimentos tradicionais pode ser traduzida num "voto diferente". Vejo os políticos apavorados, com medo do quão grande pode ser a mudança.
O senhor tem receio do que pode sair das ruínas da política com a eleição de uma "novidade"?
Não. O brasileiro, de maneira geral, não gosta de extremismos. A tendência é votar, imagino, numa proposta mais ao centro e também com capacidade concreta de apresentar mudanças sem discursos totalitários. Acredito que os discursos serão fortes no sentido de mudanças, mas sem radicalismos.
Boa parte da classe política se insurgiu contra o trabalho do procurador Rodrigo Janot. Como o senhor viu essa reação defensiva?
Foi uma forma de atacar um procurador sério, que atuou de forma corajosa. Janot agiu com neutralidade. O trabalho na Lava-Jato é um mar de acertos e de muita coragem. Não é surpreendente que alguns setores da política tentem se aproveitar de factoides para diminuir a imagem dele.
A saída de Janto da Procuradoria-Geral da República pode mudar algo na Lava-Jato? Não. A Lava-Jato é só um ponto de partida. Ela não tem final. O que é importante é que a operação siga nessa linha de tal maneira que a sociedade veja que a operação não tem partido e pode alcançar pessoas em todas as esferas de poder. Ainda há muito a ser investigado. O Ministério Público tem mostrado que não se intimida com bravatas políticas.