Uma proposta do novo pacote da segurança do governo Sartori pretende ampliar o potencial de doações da iniciativa privada para as polícias gaúchas. O projeto que será votado pela Assembleia Legislativa atende a uma reivindicação antiga dos Conselhos Comunitários Pró-Segurança Pública (Consepros), que atualmente estão organizados em 275 municípios gaúchos. Se for aprovada, a nova lei vai isentar de ICMS viaturas e equipamentos comprados com doações da inciativa privada. A mobilização desses conselhos tem garantido, em várias cidades, uma estrutura mínima de segurança que o Estado não oferece. Mas ainda enfrenta burocracias, relata o presidente da Feconsepro, Adilson Frá.
Quanto foi doado pelos Consepros em 2017?
Não temos um número oficial fechado ainda. Alguns Consepros têm isso melhor organizado, outros, nem tanto. Mas posso garantir que passa dos R$ 100 milhões. Nosso desafio é trazer auditorias do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e da própria Secretaria da Segurança. Hoje, os Consepros não têm necessidade de fazer prestações de contas de forma pública. Prestam contas apenas para quem fez a doação. Se o TCE nos ajudasse, poderíamos ser ainda mais eficientes.
Qual o critério para a doação e como ela é feita?
Depende da carência em cada região. Em geral, compramos viaturas, armamento e coletes à prova de bala, reformamos prédios de delegacias e da Brigada Militar. Até material de higiene e limpeza. Só neste ano, doamos cerca de 50 viaturas. Em Dom Pedrito, por exemplo, onde até há pouco a estrutura de segurança era precária, ajudamos a melhorar tudo e estamos prestes a adquirir um scanner corporal para ser usado no presídio.
Existe algum município no qual os repasses dos Consepros superam o investimento do Estado?
Olha, vou te contar o que acontece na minha cidade, Garibaldi. Os 22 PMs tiveram suas armas velhas trocadas por novas neste ano por doação do Consepro. Viaturas velhas, que ficam pela rua por falhas mecânicas, foram trocadas por carros novos. Em Bento Gonçalves, os empresários fizeram campanha para a captação de R$ 500 mil e estabeleceram cotas para cada empresa. Todas as cotas foram compradas. Somando as outras doações, vai passar de R$ 1 milhão.
As doações enfrentam burocracia?
Sim. Há exemplos escandalosos, que não faziam o menor sentido. Um deles: tem município que comprou e doou sistema de câmeras que faz a leitura de placa de carros. É um instrumento muito bom para coibir o roubo de carros. Mas não tinha como colocar para funcionar porque a Procergs, um órgão do Estado, cobrava até R$ 0,3 pela leitura de cada placa. Ou seja, o governo ganhava o sistema de mão beijada e, para usá-lo, um órgão seu cobrava para operar. Podem até dizer que é pouco, mas, se o sistema ler 30 mil placas, vai sair bem caro. Isso foi corrigido, mas era um absurdo.
O fato de existirem Consepros significa que governos foram incompetentes na segurança pública?
Não é só isso. O principal problema dos governos é que a máquina é burocrática demais. Qualquer coisa tem de passar por 15 mesas para aprovação. E até a aprovação se passam quantos meses? O conserto de uma viatura, por exemplo. Em Caxias do Sul, há um veículo que a polícia usa, conhecido como caveirão, que está estragado há meses. O custo do reparo é R$ 40 mil. Já são meses parado, aguardando. Pelo Consepro, isso é feito em questão de dias. Não depende das amarras do Estado.
Sem as doações dos Consepros, os serviços de segurança estariam em situação calamitosa, esperando viaturas que, às vezes, demoram anos para vir.
ADILSON FRÁ
Presidente da Feconsepro
Qual é sua opinião sobre doações do setor privado feitas diretamente para as polícias?
Vejo com muita restrição. Imagine a seguinte situação: você comanda a Brigada Militar numa cidade, e a direção de um banco privado vai lá e se oferece para fazer a reforma do prédio da polícia. Se houver um assalto simultâneo, vamos dizer, em duas agências, qual delas a polícia vai priorizar? Da mesma forma, um empresário que faz uma doação direta para a Polícia Civil da sua cidade: se, por hipótese, o filho dele é pego com drogas, como fica? Pode gerar um conflito de interesses.
Mas os Consepros fazem a mesma coisa, não?
Os repasses são todos por meio de convênios, não direcionados para outra atividade. E são fruto de uma mobilização geral. Não é o recurso que sai direto de um setor ou doador.
Não fosse pelas doações, como a seriam os serviços de segurança?
Estariam em situação calamitosa, esperando viaturas novas que, às vezes, demoram anos para vir. As realidades antes e depois dos Consepros são completamente diferentes.