A 11 meses das eleições de 2018, o processo eleitoral está cercado de incertezas. A reforma aprovada às pressas no Congresso e sancionada em 6 de outubro deixou uma série de dúvidas sobre os temas centrais de campanhas: financiamento, fiscalização e propaganda. Há 15 anos dedicado exclusivamente à fiscalização de crimes eleitorais, o promotor Rodrigo Zilio (MP-RS) se debruçou sobre as alterações na nova lei. Zilio é categórico: a reforma deixou brechas para que o caixa dois continue sendo uma prática de partidos e candidatos para financiar campanhas.
Menos de um ano da eleição, há mais dúvidas do que certezas em relação ao processo?
Mais uma vez, os legisladores, em relação à reforma política, deixaram para efetivar as mudanças na última hora. E fizeram isso sem diálogo com as instituições. Essa "minirreforma" eleitoral provoca uma série de questionamentos. Eu diria, inclusive, que nunca antes na história recente do país houve tantas incertezas no processo eleitoral brasileiro.
Qual é o problema?
Primeiro, o Fundo Público de Financiamento de Campanha, que veio para suprir a doação de pessoas jurídicas, não tem critérios adequados de distribuição. Ou seja, se prevê recurso público, que hoje se estima em R$ 1,7 bilhões, mas na verdade esse dinheiro é repassado pela Justiça Eleitoral aos diretórios nacionais dos partidos. Aí é que está o problema, pois as siglas têm autonomia. Os partidos não têm obrigação de distribuir de forma uniforme esses recursos para os diretórios estaduais e para os candidatos. Ou seja, entra muito dinheiro público, e os partidos não precisam prestar contas de seu uso.
Esse item da reforma estimula o "caciquismo" partidário?
Com certeza. É um artifício que os legisladores utilizaram para que as siglas possam sobreviver de “bondades”. Os caciques de partidos distribuem recursos para os candidatos de sua preferência. Outro exemplo: o recurso poderá ser destinado aos deputados que votam sob orientação da cúpula do partido em matérias no Congresso. Isso é uma forma de uso de dinheiro público para controlar os candidatos.
A reforma prevê limites de gastos para cada candidato. Presidente da República terá de gastar no máximo R$ 105 milhões (nos dois turnos). Isso não pode inibir irregularidades?
Nós temos que pensar naquilo que o candidato prevê e no mundo real. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT), por exemplo, declarou gastos de R$ 350 milhões em 2014. Mais de três vezes esse teto. E há o caixa dois, que sempre houve nas campanhas. Esses números e esse histórico indicam que irregularidades devem continuar.
Nunca antes na história recente do país houve tantas incertezas no processo eleitoral brasileiro.
Rodrigo Zilio
Promotor
O caixa dois continuará?
Não tenho dúvida que sim. Os tetos nominais ficaram muito aquém da realidade das declarações do último pleito. Por isso e também pelo fato de que nenhuma atitude legislativa foi tomada para melhorar a fiscalização.
O recado do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE foi de que caixa dois não é crime.
O que chamou mais atenção nessa decisão do TSE foi que a questão jurídica não foi determinante no resultado da votação dos ministros. Foram quatro votos a três, uma maioria muito apertada. A decisão não olhou só para recursos jurídicos.
Essa decisão indica que o poder político está presente no Judiciário?
Sim. O fato de haver uma mudança no comportamento dos julgadores no decorrer do processo indica isso.
Como o senhor prevê que será a propaganda na internet?
Aqui o problema é que a reforma mantém a proibição da propaganda paga, mas traz uma exceção ao permitir o impulsionamento de conteúdo. A discussão vai ser como configurar isso, até porque a lei diz que, entre as formas de impulsionamento, está a priorização paga das buscas. Exemplo: se, no Google, alguém escrever "vote Fulano de Tal 2018", já se configura ali a propaganda eleitoral. Prevejo uma enxurrada de ações.
Mas não cabe à Justiça Eleitoral fazer a regulamentação?
O TSE precisa esclarecer o que significa esse impulsionamento e até onde isso se diferencia da propaganda eleitoral paga. O meu temor é que isso só seja definido só daqui a dois anos, quando estaremos mais uma vez discutindo reforma política para as eleições de 2020.
Como o senhor vê a campanha antecipada?
Hoje só é considerada propaganda antecipada aquela ação que remete a um pedido explícito de votos. A lei é permissiva para a campanha antecipada: admite que o candidato apresente projetos, anuncie a candidatura. Pode até andar com adesivo "Fulano de tal, 2018". Isso também abre caminho para arrecadação antecipada. O processo já começa errado.