A decisão do Palácio do Planalto de não mais divulgar a agenda de Michel Temer e a possibilidade de votação secreta no Senado no caso Aécio Neves (só descartada por decisão do Supremo Tribunal Federal) colocaram em evidência, mais uma vez, a necessidade da transparência no setor público. Para o consultor da organização Transparência Internacional, Fabiano Angélico, o Brasil avançou no tema nos últimos anos. Mas ele alerta: é necessário vigilância permanente, assim como o aperfeiçoamento da Lei de Acesso à Informação.
Nunca se discutiu tanto a transparência. Ao mesmo tempo, o momento é de grandes revelações sobre corrupção. Como o senhor avalia esse cenário?
Estamos experimentando, na prática, os benefícios potenciais da transparência. Por que exigir transparência? Primeiro porque os governos representam o conjunto da sociedade. Portanto, devem prestar contas, como os acionistas de uma grande empresa. É a partir do compartilhamento de informações que a sociedade consegue avaliar se o Estado é bem gerido. É claro que, principalmente no Brasil, durante muito tempo o Estado foi e ainda é oligárquico, patrimonialista, ineficaz. O que estamos vendo é que isso está sendo escancarado agora.
A lei de acesso à informação é um instrumento importante de transparência. Ela já tem mais de cinco anos. Precisa de ajustes?
Nossa lei está entre as 20 melhores do mundo. Mas ela é boa no texto. Na prática, as coisas são um pouco diferentes. (A lei) Precisa de reformas principalmente na questão de enforcement, tem de ter força, dentes. O servidor público que descumpre a lei precisa ser sancionado. Não só do baixo escalão. Quem decidiu não abrir as informações para divulgação, em qualquer escalão, precisa de fato responder por isso. A lei precisa abrir ainda mais seu escopo. Em muitos países, os partidos estão sujeitos à lei de acesso informação. No Brasil, não. Por isso afirmo: nossa lei precisa de ajustes.
Como o Brasil é visto no exterior no combate à corrupção?
Há sentimentos mistos. Quando você vê a Lava-Jato, parece que o Brasil está levando a sério essa coisa de combater corrupção. Mas há outros exemplos que vão no sentido contrário. O presidente Temer é denunciado duas vezes por crimes graves, não renuncia e não é tirado de lá. Existiu uma ação no Tribunal Superior Eleitoral contra o presidente. Aí ele muda dois ministros e sai vitorioso. É de se ficar com sentimentos dúbios.
A resistência de Temer e a reação dele às investigações passam que mensagem no exterior?
Uma mensagem ruim. Você vê uma parte do país combatendo a corrupção, principalmente Ministério Público, Procuradoria Geral, Judiciário. E a classe política resiste. Até agora estão tentando virar a onda e criminalizar quem os investiga. Lá fora se tem a compreensão de que existe um arranjo institucional no Brasil que é muito interessante, e é importante que os brasileiros tenham isso em mente: na América Latina, nos países do Hemisfério Sul em geral e em democracias menos desenvolvidas, olha-se para o Brasil com inveja. Porque a gente conseguiu ter uma imprensa livre, um Ministério Público autônomo. São poucos países do mundo em que o procurador-geral da República pode denunciar o presidente no exercício do cargo por corrupção. Por outro lado, temos toda a razão de nos envergonharmos da nossa classe política.
Você vê uma parte do país combatendo a corrupção, principalmente Ministério Público, Procuradoria Geral, Judiciário. E a classe política resiste. Até agora estão tentando virar a onda e criminalizar quem os investiga.
Fabiano Angélico
Consultor da Transparência Internacional
Essa é uma percepção de órgãos internacionais que monitoram a transparência?
Sim, nós da Transparência Internacional estamos presentes em mais de cem países e trocamos muita informação. Em geral, a reação que se tem é essa: inveja, mas só por um lado. Da lista dos 10 empresários brasileiros mais ricos, dois estão ou estiveram presos: Marcelo Odebrecht e André Esteves. Bilionários que não estão imunes à lei. Ótimo! Mas, por outro lado, tem esse governo acusado de corrupção... E nada acontece.
Brasil está na 79ª posição no ranking da Transparência Internacional. Como avançar?
O grande problema, no Brasil, é aquilo que chamamos de "grande corrupção" – o que a transparência internacional define como abuso de altos níveis de poder político e econômico, que movimenta bilhões de reais. O brasileiro em geral é um sujeito trabalhador, de boa índole. Não é verdadeira a narrativa de que o Brasil é pais desonesto e que por isso existe corrupção em Brasília. Pesquisas demonstram movimento contrário, inclusive: quando a grande corrupção é alta, a sociedade tende perder os laços de honestidade, de cima para baixo, e não de baixo para cima. O que nós precisamos fazer é exigir que a classe política redesenhe o Brasil, com políticas públicas eficazes. E isso está muito mais na mão de quem tem poder, de quem pode mudar a lei. O caminho é exigir que nossos governantes tenham outro comportamento.