Na Polícia Civil gaúcha, poucos delegados acumulam mais experiência do que Paulo Grillo, há 26 anos na corporação – os três últimos comandando seis delegados no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa. Grillo já combateu o tráfico de drogas, investigou facções criminosas e hoje tem a tarefa de elucidar assassinatos – só em 2017, em Porto Alegre, são 508 no total, redução de 9,7% na comparação com o mesmo período do ano passado. Convencido de que a política de combate às drogas não funciona, passou a defender uma ideia incomum no meio policial: "A descriminalização das drogas é uma medida estratégica viável para reduzir os homicídios". Leia a entrevista:
Quais são os motores da violência atualmente?
São três: as drogas, o sistema prisional e as armas. Para começar a mudar isso, é preciso prisões que ofereçam o mínimo de condições para os detentos serem ressocializados – o que, hoje, é uma utopia. O Estado não tem o controle sobre o Presídio Central, que é o coração do crime em Porto Alegre, porque ali é onde nascem e se fortalecem as facções. Ali é o reduto do tráfico de drogas. Ali, onde há aquela condição sub-humana, não tem como recuperar ninguém.
Há várias receitas para melhorar os presídios. qual é o remédio que nunca foi aplicado?
Para o Presídio Central não há solução. A única saída é terminar com ele e estabelecer outro sistema, um local com celas e grades e regras impostas pelo Estado, não o que existe hoje, que é uma prisão sem grades e celas, na qual os detentos passam o tempo todo se organizando. Se precisa tirar alguém de lá de dentro, é necessário todo um aparato de segurança da Susepe e da Brigada Militar. Assim como Carandiru foi, o Central tem de ir abaixo também.
O Estado negocia com os aprisionados?
Sim. E o preço dessas negociações quem paga somos todos nós, com as mortes que não acontecem lá dentro, mas sim aqui fora, na rua.
Em julho, houve a Operação Pulso Firme, com a transferência em massa de líderes de facções. Teve o efeito esperado?
A operação cumpriu com a sua finalidade, que é a redução do número de homicídios em Porto Alegre. Mas isso é temporário. É paliativo: as mortes aconteciam em forma de execuções por “bondes” que se deslocavam pela cidade; quando estabelecemos barreiras, fizemos com que os criminosos se retraíssem.
A descriminalização das drogas poderia ajudar a reduzir a criminalidade?
Eu vejo como uma possível solução. Já tendo trabalhado no combate às drogas, cheguei à conclusão de que a repressão não resolve o problema. A investigação e a prisão de traficantes em larga escala, na prática, não trazem reflexo na melhoria da segurança. O que pode refletir positivamente é se tu consegues prender um líder importante e ataca o patrimônio dele. Mas, hoje, no sistema prisional, a maioria dos presos é ligada ao tráfico pequeno, miúdo. Estes são presos e jogados em um sistema prisional falido – o que só fortalece as facções. Isso é ficar dando tiro no próprio pé.
No Uruguai, o estado está assumindo o controle da distribuição da maconha. Isso não vai acabar com o tráfico, mas vai reduzi-lo. O que fará com que se reduzam as mortes. Porque a criminalidade violenta gira em torno do tráfico.
Qual é a melhor forma de melhorar isso?
Mudar a lei. Aí a polícia poderia se preocupar mais com quem importa, que é o grande traficante. A Lei das Drogas, que está pra ser revisada pelo STF, pode abrir a possibilidade de descriminalização da posse para consumo. Já houve três votos favoráveis. Se alguém tem droga para consumo próprio, qual é o crime que está cometendo? Qual é o bem jurídico tutelado? Nenhum. É apenas a saúde individual que é afetada. Mas hoje ainda é crime. Com penas simbólicas: prestação de serviço à comunidade, participação em programas de reeducação. Acho que está na hora de olhar para a experiência do Uruguai. Lá se está fazendo um experimento, com o Estado assumindo o controle da distribuição da maconha. Isso não vai acabar com o tráfico, mas tenho certeza de que vai reduzi-lo. O que fará com que se reduzam as mortes. Porque a criminalidade violenta gira em torno do tráfico. As armas que os traficantes compram são para se defender da facção rival. Com o atual modelo de repressão às drogas, podem-se fazer 200 operações, apreendendo muitas toneladas de maconha e cocaína, que não haverá resultado para a segurança pública.
Quando o senhor mudou de ideia em relação às drogas?
Quando comecei a estudar mais o assunto, vendo que o trabalho policial se repetia. A polícia não pode deixar de cumprir seu papel. Mas a polícia não é robô. E não é burra. Não há resultado, não há melhora, não há sensação de segurança. Nós temos de tentar pensar em por que não dá certo. Tudo o que foi tentado não deu certo – se tivesse, não estaríamos aqui debatendo isso. E, se não deu, por que não se tentar algo que nunca foi tentado? Eu comecei a ver, aqui no Departamento de Homicídios, por que acontecem as mortes. Elas acontecem por causa das facções. E as facções se sustentam com o tráfico.