Um dos maiores escândalos de corrupção envolvendo o poder público no Rio Grande do Sul completa 10 anos em novembro. A investigação sobre a fraude do Detran, à época, escancarou um esquema irregular que envolvia a cúpula do departamento de trânsito, com um total de R$ 44 milhões desviados. A Operação Rodin, como foi batizada, veio à tona graças ao trabalho do procurador Rafael Miron, então com apenas três anos de experiência no Ministério Público Federal. Hoje trabalhando em Curitiba, Miron conta, pela primeira vez, os bastidores da investigação.
Qual foi a gênese dessa investigação?
Quando cheguei em Santa Maria, a intenção era dar um caráter mais proativo ao trabalho do MPF. Todos falavam, na época, sobre a relação suspeita entre a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Fundação de Apoio a Tecnologia e Ciência (Fatec). Aí comecei a investigar uma série de coisas, todas sem relevância aparente. Ao cruzar dados e olhar com mais atenção, comecei a ver que os contratos da universidade que envolviam os maiores valores sempre eram com as mesmas empresas. Foi isso que chamou minha atenção.
Nenhum órgão de fiscalização notou isso?
O TCU já tinha identificado irregularidades administrativas. Quando o governo Yeda Crusius assumiu, em 2007, foi gerada uma instabilidade no esquema com a troca de dirigentes do Detran. Os integrantes do núcleo principal queriam excluir o Lair Ferst (empresário que mediou o primeiro contrato do Detran com a Fatec) porque acreditavam que ele ganhava um dinheirão e não fazia nada. Esse movimento coincidiu com a saída do então secretário de Segurança, Enio Bacci, que deu uma entrevista dizendo que “havia muitas irregularidades no Detran”. Naquela época (abril de 2007) eu já estava com investigação em andamento.
Houve algum movimento da universidade com o início das investigações?
Quando a investigação começou a ficar clara, a UFSM me chamou para uma reunião com todos os pró-reitores, que me encheram de perguntas. Mas fui extremamente duro com eles, avisando que investigaria todos os contratos vigentes. Dias depois, fui procurado por um professor que queria denunciar uma irregularidade. Ele contou que antes nunca havia sentido segurança em outra autoridade. A investigação ampla, que chegou a diferentes núcleos, começou ali.
Quando foi que o senhor entendeu que a operação Rodin era grande?
Quando identificamos os contratos do Lair Ferst. Minha percepção foi de que 40% eram propina. Só as empresas do Lair Ferst levavam 20%. E, em cima disso, ele ainda ganhava na recontratação de terceirizadas.
A operação juntou vários órgãos de fiscalização. Como se deu essa união de forças?
Na análise dos contratos de licitação, vi um ofício do procurador Geraldo Da Camino (do Ministério Público de Contas) solicitando informações desses contratos. Procurei-o, e ele me disse: "não arquiva, aqui tem rolo grande".
Um dos condenados, o ex-presidente do Tribunal de Contas João Luiz Vargas, escreveu um livro classificando a rRodin como "conspiração política". O ex-reitor da UFSM, Paulo Sarkis, fez palestras atacando a investigação. Isso o incomodou?
Não. Nunca li esse livro, nem vi uma palestra do Sarkis. Meus colegas diziam: "Tu podias ajuizar ação contra eles". Mas para que rememorar isso? Eles têm de se defender na Justiça. Essa história de perseguição política é um absurdo. Chegaram a falar que investigamos o contrato do PSDB e esquecemos o do governo anterior, que era do PMDB. Às vezes, não há como retroagir 30 anos em uma investigação.
Garanto que, se fosse hoje, a metade dos envolvidos estaria presa. Teríamos mais delações. O sistema brasileiro de persecução criminal ainda é falho, mas a possibilidade de anular provas era grande. Mudou muito com a Lava-Jato, mas ainda são necessários ajustes para garantir punições.
Rafael Miron
Procurador do MPF
Que lição a Rodin deixou?
Reforçou a credibilidade do MPF. E de vários órgãos. O Ministério Público de Contas nunca havia participado de uma investigação conjunta nesses moldes.
Houve frustração?
Sim. O caso completa 10 anos em 2017. Tem alguém preso? Ninguém.
Na ação criminal, houve condenações em segunda instância.
Sim, mas houve novo recurso em junho de 2016. A Justiça ainda é muito demorada em relação a isso.
Se a Rodin eclodisse agora, seria diferente?
Garanto que, se fosse hoje, a metade dos envolvidos estaria presa. Teríamos mais delações. O sistema brasileiro de persecução criminal ainda é falho, mas a possibilidade de anular provas era grande. Mudou muito com a Lava-Jato, mas ainda são necessários ajustes para garantir punições. Outra coisa: a prisão cautelar para crimes financeiros não sofreu alteração na lei, mas a Justiça passou a reconhecer essa possibilidade. Na época da Rodin, se não estivesse matando alguém, não se dava prisão preventiva.